Hélio Schwartsman*
Urna eletrônica usada para votação em 2016 -
Crise pode exacerbar sentimentos contraditórios, mas calmaria não torna sábio o eleitorado
O povo é um poço de contradições. Pelo Datafolha, 87% dos brasileiros apoiam a paralisação dos caminhoneiros e 87% não admitem nem aumento de impostos nem corte de gastos para bancar a conta das reivindicações.
Não é só. Pesquisa de 2017 mostrou que a maioria dos eleitores dizia buscar um candidato a presidente sem envolvimento com corrupção (87%) e que tenha experiência administrativa (79%), mas os dois nomes que aparecem à frente nas sondagens são os de um condenado por corrupção e de um ex-militar que nunca teve cargo no Executivo.
A literatura sociológica revela que a situação da economia é o fator que mais influi no resultado de pleitos majoritários, mas outras variáveis, incluindo algumas espúrias, como promessas populistas, podem às vezes mostrar-se decisivas.
Até o imponderável tem seu papel. Meu exemplo favorito é o dos
ataques de tubarões em Nova Jersey, que provocaram um mau humor que
quase custou a Woodrow Wilson sua reeleição presidencial em 1916.
Por que, então, diante de um comportamento coletivo tão incoerente e
caprichoso, ainda insistimos em escolher nossos dirigentes pelo voto?
Não estou aqui colocando a democracia em questão. Não há muita dúvida de
que ela é o melhor sistema à nossa disposição. Virtualmente todas as
nações ricas e desenvolvidas do planeta são democráticas.
A explicação é que a democracia funciona, não por causa de uma mítica
sabedoria do povo que se materializa no voto, mas por características
mais sutis e menos alardeadas, como favorecer liberdades individuais, a
alternância no poder e, principalmente, por promover a estabilidade,
exigindo sempre respeito a regras pré-definidas. Isso torna ainda mais
estúpidos os apelos por intervenções extraconstitucionais.
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