Lya Luft*
Não lembro quando ouvi ou percebi pela primeira vez a palavra
"sublime", mas acho que nasci apaixonada por palavras, primeiro o
som, mais tarde o que chamo "a carinha", as franjas das palavras e as
nuvens ou trovões que as recobrem. Lembro que achei uma palavra fina, magrinha,
com aquele seu "i", e me espantei quando disseram que era algo mais
do que maravilhoso, quase divino. Não devo ter entendido bem, mas descobri logo
que não era palavra para se usar seguidamente. Perdia a força, a graça, o
significado.
Lembro com gosto o que certa vez disse uma amiga querida, quando falei
de algo sublime na natureza: "A natureza é bela e terrível. Sublime, só
Mozart". Teremos, então, uns pequenos Mozarts no nosso cotidiano tantas
vezes cansativo, chato, preocupante, desgastante e corrido? Sempre achei que
sim, porque a quietude desde a infância me fascinou, simplérrima e difícil.
"Menina preguiçosa, essa guria já nasceu cansada", dizia meu
irmãozinho. Para mim, era felicidade: ficar quieta, ouvindo o mundo, sentindo o
mundo, não entendendo o mundo. Possivelmente, toda criança tem isso em si,
desde que lhe deem tempo - na sua agenda de pequena executiva, aulas disso,
daquilo, deveres, festas - para esse silêncio dentro que é um tesouro de mil
vozes.
Então vamos descobrir: andar pela calçada molhada, a chuva para, no céu
uma nesga de claridade se abre, e quase para nossa respiração, se não formos
obtusos. Lindo. Sublime? Na janela, o céu tranquilo de repente se cobre de
nuvens negras, espessas, ameaçadoras como um tornado, querendo devorar a luz.
Nesse instante, algo sublime nos toca. Por que não? Música inesperada, saindo
da janela de um apartamento, ou da televisão, do computador. Outro dia,
escutamos Eric Clapton tocando e cantando Layla e quase choramos: sublime. Não
precisa, então, ser Mozart, mas pode até ser esse raiozinho de sol tocando as
buganvílias bem humildes no meu vasinho de vidro azul, barrigudo, aqui ao lado.
Vamos deduzir que o sublime não precisam ser anjos com harpas, fanfarras
de grandes tempestades, ou mesmo paixões humanas: pode ser simples, comum, mas,
por alguma razão, abre aquilo que temos de melhor em nós - e a gente nem sabia.
Não precisamos ser cultos, refinados, maduros. Outro dia, num vídeo,
apareceu um bebê de uns oito meses que pela primeira vez, de óculos, enxergou
realmente o rosto da mãe. Do pai. O quarto. O seu pedacinho de mundo.
Certamente, essa criança, com ar maravilhado, teve seu primeiro - espero que
não último - sentimento de sublimidade.
Enfim, somos melhores do que pensamos. Muitas vezes, em aula na
faculdade, eu disse a meus alunos: "Vocês são muito melhores, mais
inteligentes e capazes, do que eu, a universidade, a família e a sociedade
fazemos vocês pensar que são. Sintam isso, gente!".
Nada sublime nas minhas palavras, mas talvez um ou outro tenha
descoberto dentro de si, naquele dia ou no futuro imprevisível, a capacidade de
sentir, sonhar, compreender ou não compreender nada, como algo sublime: bom
demais, divino, sobre-humano, ou simplesmente muito humano. A gente é que
complica.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=a81dfd623ba30e99dfbd6022899a66f0 09/06/2018
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