Se há uma patologia endêmica no Brasil é a
imaturidade política. Talvez seja no mundo inteiro ou tenha sido sempre
assim, mas hoje essa hipótese mais generalizada não me interessa.
Assistimos, nos últimos dias, ao surgimento do caos no país. Evidente
que o governo é ruim e a classe política, quase na totalidade, um lixo.
Mas isso tampouco me interessa hoje.
Talvez uma das características mais difíceis do amadurecimento seja o
fato dele exigir uma certa “paciência do conceito”. Esta paciência
significa a capacidade de resistir ao desespero diante da lentidão da
construção versus a rapidez da destruição. Tudo demora a ser construído
(às vezes 2.000 anos ou mais), enquanto a destruição atinge a velocidade
da luz em segundos. Assim é no amor, na vida em família, no trabalho,
na economia, em sociedade, na política.
Ter raiva do governo e dos políticos brasileiros é um clássico e não
há dúvida que a lida do governo com os bens derivados do petróleo tem
sido da pior espécie. Deviam vender a Petrobras e pronto. O governo
Temer foi de uma irresponsabilidade nesse tema dos caminhoneiros que
merecia receber o troféu Canalha do Ano. Todos que pensam minimamente
sabem que chegamos à beira de uma ruptura institucional. E aí chegamos
ao ponto que me parece importante hoje.
Gostaria de analisar três frases ditas por vários tipos de pessoas
nesses dias, em reuniões de amigos, no trabalho, nas redes, na mídia em
geral. Antes de tudo, esclareçamos algo.
Em política, quando fazemos uma crítica sem oferecer uma solução,
estamos no âmbito da “metafísica delirante”. Não adianta dizer “vamos
acabar com esses ladrões do país” sem dizer como.
E a política odeia o vácuo: ou você oferece representatividade
institucionalizada ou a violência preenche esse vácuo. A política é o
campo da violência. Quando se brinca com a ruptura institucional,
brinca-se com a violência livre.
Todo regime político é um sistema que busca conter essa violência
(seja para o bem ou para o mal, tanto a contenção quanto a violência).
No meu entender, aqueles que tentam dar uma conotação política
“revolucionária” positiva ao movimento dos caminhoneiros flertam com o
vácuo político e, portanto, com a violência. Da greve fomos ao
terrorismo social.
Portanto, a pergunta que nós brasileiros devemos fazer é: quanto
estamos dispostos a pagar pela violência que movimentos como o dos
caminhoneiros e similares podem trazer para o nosso cotidiano? Porque
política é violência sempre, depende apenas das formas em que se
materializa. Acho que muita gente aqui quer brincar de Oriente Médio ou
Venezuela. Ou África.
Mas, vamos a mais duas dessas frases que, ao meu ver, demonstram uma
certa imaturidade política que beira o retardo mental. Os idiotas da
política tomaram conta do Brasil nesses dias.
“Vamos devolver o Brasil ao povo brasileiro”. Quem vai devolver? O
que é exatamente “o Brasil” que esse sujeito quer devolver? E o povo
brasileiro é o quê? O imaturo deve pensar nele, no seu tio e no seu
cachorro, mas, quem é esse “povo brasileiro”? A pátria de chuteiras?
Como esse “povo” vai governar “esse Brasil”? Uma frase como essa carrega
toda a imaturidade travestida de consciência política que se pode
imaginar em poucas palavras.
Mas, o que pode ser lido nessa frase que signifique algo para além da
imaturidade crua? Há nela a expectativa de que um milagre aconteça e o
“Brasil seja devolvido ao povo brasileiro”. Esse milagre se chama
intervenção militar, o que significa um episódio de gestão da violência
de forma que a violência fique mais ameaçadora e explícita. De novo,
imaturidade. E aqui nada vai contra a importância ou a dignidade das
Forças Armadas no país.
Outra pérola: “Quero que falte comida na sua casa pra você se juntar a
nós e derrubarmos os três Poderes”. O que essa frase quer dizer por
“falte comida na sua casa”? Por acaso quem diz uma pérola dessa tem
ideia do que é uma ordem social dissolvida no cotidiano? Sei,
inteligentinhos dirão que há fome no país. Mas, esses mesmos
inteligentinhos enchem os restaurantes gourmets com seus menus
saudáveis.
Quando as pessoas passam fome e passam à violência, o cotidiano se
desmancha em todos os níveis. Da ida à escola ao supermercado, da
dissolução dos mecanismos de contenção da violência à instauração de
mecanismos mais violentos ainda de contenção dessa mesma violência.
E “derrubar os três Poderes”? Vamos colocar um tanque de guerra no lugar?
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