Martha Medeiros*
A história foi a seguinte. Ele tinha uns 27 anos e estava em Berlim pela
primeira vez. Solteiro, livre, desbundado. Passava as noites dançando em casas
noturnas onde encontrava alemãs góticas, estranhas, caladas. Até que se
encantou por uma delas. Encontravam-se na balada todas as noites, depois ela o
acompanhava até o muquifo onde ele estava hospedado e, de lá, saía
sorrateiramente no meio da noite, pois trabalhava cedo na manhã seguinte. Meu
amigo ficava estrebuchado na cama até o meio-dia, já pensando em trocar seu
nome para Hans e estudar filosofia. Até que as férias terminaram, e ele voltou
para o Brasil.
Com uma amiga se deu assim: ela era advogada de dia e tinha aulas de
flamenco à noite, momento em que trocava a calça de linho por vestidos
vermelhos e incendiava o salão com suas castanholas. Um belo dia, surgiu um
projeto de espanhol no curso e não deu três dias para se tornarem o par mais
caliente do tablado. Calça justa como a dos toureiros, camisa aberta no peito,
pura testosterona em 1m87cm. Ela não resistiu: a dança evoluiu para os lençóis,
mesmo sendo um caso proibido - ele dizia ser noivo.
A paixão adora a noite e seus mistérios. Até que o dia amanhece.
Não é que a alemoa inventou de conhecer o Brasil? Mandou uma carta para
o meu amigo (perceba o tempo que faz isso), e ele na mesma hora se predispôs a
hospedá-la. Ela desembarcou na tarde mais escaldante de fevereiro com seu
capote preto, o mesmo que usava na balada berlinense, e com uma palidez de
doente. Não se acostumou com a comida dos trópicos e logo seus olhos
acinzentados saltaram de seu rosto esquelético. Meu amigo a levou para
Garopaba, onde ela usou um biquíni que cobria o umbigo e um chapéu que mais
parecia um ombrelone - mesmo assim, pegou uma insolação. Meu amigo fantasiou
uma Nina Hagen e acordou com uma militante da Gestapo. Vida real, muito prazer.
Minha amiga advogada estava em casa num sábado de manhã esquentando a
água para o chimarrão quando bateram à porta. Era o projeto de espanhol, só que
agora de calça de moletom, camiseta do Grêmio e um bebê no colo. Um bebê!! O
homem era pai de uma criança de sete meses. E não parecia nem um pouco
espanhol, nem um pouco alto e nem um pouco esbelto - camiseta de time de
futebol é sempre traiçoeira com as barrigas dos torcedores. Que fim levou o
mistério, o charme, a pulsão erótica? Ele a convidou para uma caminhada no
parque, e ela lembrou que tinha hora no dentista - sim, no sábado de manhã - e
sua adoração pelo flamenco foi subitamente trocada pela capoeira, ela até já
procura no Face quem tenha um berimbau pra vender.
Afora uns pequenos detalhes fictícios para dar sabor à trama (e livrar
meus personagens da identificação), é tudo verdade. Do que se conclui: abram
bem a janela, coloquem os travesseiros pra fora e tomem muitos cafés da manhã
juntos antes de dizer um eu te amo no escuro.
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* Escritora. Jornalista
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f065fe9f90c6f176adf5aca0b889d595
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