Cresce entre seminaristas e padre novatos uma resistência ao discurso de
tolerância do pontífice, que defende aceitação a divorciados e homossexuais
Paulo Germano
– Não conheço um único seminarista que goste dele.
A frase escapou baixinho, em tom deprimido, da boca de um influente
bispo católico. Conversávamos sobre a aceitação do papa
Francisco entre os padres mais jovens. Esse bispo, que é profundo
conhecedor da realidade clerical da Igreja, disse que a aceitação é ridícula.
Nula, praticamente.
Eu, na minha ignorância, achava justamente o contrário: que os jovens
seriam mais abertos ao discurso de tolerância e renovação de Francisco.
Telefonei, então, para outras duas autoridades da Igreja no Estado. Por receio
de provocar mal-estar, não toparam se identificar, mas confirmaram essa
resistência ao Papa e foram além.
Disseram que a rejeição não se limita a seminaristas e padres novatos:
ela cresce também nos movimentos jovens, com leigos indignados com a recepção
de Francisco aos
divorciados e homossexuais.
– Ele é muito respeitado em setores mais laicos da sociedade. Dentro da
Igreja, a popularidade é maior entre os mais velhos – disse um dos sacerdotes,
e eu quase tive um ataque cardíaco.
Os jovens, incrivelmente, não lideram mais vanguarda alguma. Pelo
contrário, lideram a retaguarda, o atraso, o anacronismo. O frei Luiz Carlos
Susin, teólogo de 68 anos e admirador do papa Francisco, costuma dizer que a
geração dele transgrediu tanto que, para muitos jovens de hoje, a forma mais
genuína de transgredir é retrocedendo. Faz sentido.
Na cultura, a geração do frei Susin é a de Maio
de 68. Na Igreja, é a do Concílio
Vaticano II. Ao contrário dos concílios anteriores – preocupados mais
em elencar pecados e definir dogmas sobre moral e fé –, a assembleia que se
estendeu de 1962 a 1965 foi resumida assim pelo papa João XXIII:
"A Igreja sempre se opôs a erros, muitas vezes até os condenou com
a maior severidade. Agora, porém, a esposa de Cristo prefere usar mais o
remédio da misericórdia do que o da severidade. Julga satisfazer melhor as
necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando
condenações".
Não é genial? E não é justamente o que o papa Francisco aplica? A
clemência em vez do castigo, o acolhimento em vez da repulsa. Francisco, aliás,
irrita seus detratores ao criticar publicamente o clericalismo – corrente que
insiste em botar o clero, os padres, o sacerdócio (que representa menos de
0,00000000001% dos católicos) à frente dos leigos, dos fiéis, do rebanho
inteiro (que representa mais de 99,99999999999% dos católicos).
– O Papa entende, como o Concílio Vaticano II entendeu, que as pessoas
precisam discernir e decidir muita coisa por conta própria. Não pode o padre
decidir tudo por elas, ter sempre a última palavra. Isso é clericalismo. O
oposto disso é acreditar na autonomia das consciências – disse o frei Susin
quando liguei para ele na quinta-feira (14).
As instituições existem para ajudar o homem, não para subjugá-lo. Se a
instituição não ajuda, não é o homem
que deve mudar; é ela.
Isso me fez lembrar a história – real, acredite – de um neonazista americano que
tatuou no braço um versículo do Antigo Testamento que condena a
homossexualidade: "Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação
é" (Levítico 18:22). Esqueceu-se, claro, que, no capítulo seguinte, o
mesmo livro condena a tatuagem: "Não dareis golpes na vossa carne; nem
fareis marca alguma sobre vós" (Levítico 19:28).
Quer dizer, se você leva ao pé da letra o que foi escrito há milhares de
anos, daqui a pouco vai estar defendendo a escravidão, a execução de mulheres
adúlteras e o açoite como pena ideal para bandido. Jesus Cristo, aliás, vem
para quebrar essa lógica do Deus violento: sua tendência é incluir todos,
perdoar todos, acreditar em todos.
No Evangelho de Mateus, uma passagem espetacular é quando Jesus cura um
doente num sábado. Os fariseus, sempre tentando sabotá-lo, perguntam se ele
acha mesmo correto fazer aquilo – já que o sábado, em nome de Deus, deve servir
somente ao descanso. Jesus responde com uma pergunta: o homem foi criado para o
sábado, ou o sábado foi criado para o homem?
Ou seja: a lei deve existir para servir ao homem, não para subjugá-lo.
As instituições existem para nos fazerem crescer, para nos fazerem felizes,
livres, autônomos. Se a instituição não ajuda, bem, não é o homem que deve
mudar; é ela. Por isso, o papa Francisco vem mudando a Igreja, porque é um
profundo conhecedor do que Jesus pregava.
Esses jovens que insistem em resistir às mudanças talvez um dia percebam
que se aproximam mais dos fariseus do que dos apóstolos. Ainda assim, claro,
serão perdoados.
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