Lya Luft*
O homem é o lobo do homem, frase que
se perpetuou e vai se provando realidade, pois, repito, somos animais
predadores: cada vez mais, ao menos nestes dias, estamos devorando
alguém. Não como verdadeiros canibais, mas morais, cibernéticos, numa
assustadora ânsia de denegrir o outro.
Diferenças ideológicas
servem para querer sujar. Mudanças políticas dão motivo para decapitar.
Manifestações variadas fazem a gente jogar no lixo pessoas que não nos
fazem mal, que possivelmente nem entendemos, cuja situação
desconhecemos, mas a quem não concedemos a liberdade do pensamento
diferente (enquanto isso, vociferamos sobre democracia).
Quando
tanto se fala em diversidade, ela não é respeitada no terreno da
política, da filosofia, da postura. Mentira que queremos democracia:
queremos a ditadura mental e moral mais fascista e destrutiva do mundo,
que é a nossa. E, mesmo sem documento, sem fundamento, espalhamos
debochadamente acusações, às vezes até meias verdades que melhor seria
se ficassem discretas. Pois o Brasil não vai melhorar com esse tipo de
violência.
Enfim, nestes tempos esquisitos, não sabemos quem é
pró ou contra coisa nenhuma, porque em poucas horas tudo pode mudar -
não por ideal ou ideologia, mas por medo, interesse ou outro motivo não
muito nobre. Nosso amigo vira nosso inimigo. Denegrimos nosso amigo por
sua postura política: a amizade morre, o respeito sucumbe, a dignidade
nossa e a do outro também, pois quem xinga o outro está se expondo.
Na lista de candidatos a qualquer coisa, sobretudo à reeleição, a
imensa maioria tem rabo preso e todo mundo sabe. A lista de insultados
que muitas vezes nada têm a ver cresce a cada dia. Mesmo que alguém tome
uma atitude que não aprovo, não é muito legal expô-lo nas redes sociais
como nas medievais fogueiras, em que centenas de inocentes foram
assados vivos enquanto a turba assistia deliciada e louca, comendo suas
marmitas, tricotando suas roupas, refocilando na ignomínia e nos
horrores.
Talvez eu exagere, mas me dá calafrios ver, ler,
constatar a cada hora a facilidade com que apontamos o dedo para o outro
- apenas um ser humano com direito a postura, compostura e opinião, até
engano - com um prazer no mínimo preocupante.
Ninguém deve ser
um cordeiro pacífico que engole todos os sapos; não é possível também
ser, rapidamente, o lobo feroz que sem pensar dilacera corpo e alma de
vítimas que em geral nem conhece direito. Ai de quem tente explicar, ou
defender, ou ao menos justificar a postura, as palavras, o jeito de
algum conhecido ou amigo que - sabemos - não está sendo tratado com
justiça. No mínimo, receberemos um obtuso e irracional "vocês se
merecem!".
Parece que a política, nestes dias, faz manifestar-se
o pior em alguns de nós. Isso não é política, isso não é democracia.
Sinto muito. Os verdadeiros lobos nem raciocinam, nem são maldosos:
seguem seu instinto. Matam para comer, para proteger sua ninhada. Nós
seguimos nossos desejos, pensamentos e frustrações inconfessáveis.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e9d59178c8a9374f1c65bae52b6b5bfc
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