Luis Fernando Veríssimo*
Antigamente, bem antigamente, era mais simples. Os machos de uma
espécie faziam um torneio de cabeçadas e quem acabasse de pé era o
chefe. Tinha o poder - e as fêmeas, claro - pelo menos até aparecer um
macho mais macho do que ele. De acordo com Freud, o ato inaugural da
civilização foi a revolta dos filhos contra o pai tirano com o monopólio
do poder - e das fêmeas. O bando de irmãos parricidas está na origem da
sociedade humana, mas Freud diz que só um era eleito para matar o pai, e
se tornava o protótipo do herói que, através da História, repetiria o
ato, seria festejado, endeusado e finalmente sacrificado (na cruz, por
exemplo).
O herói parricida representava a necessidade de
mudança, era a História que o elegia. Nas monarquias, o monarca
representava a vontade de Deus, e quem se atrevia a discutir com Deus? A
transferência de poder podia ser violenta - um príncipe ressentido com
uma adaga no meio da noite, uma poção fumegante no vinho, uma revolução -
mas muitas monarquias persistem em existir, apesar do ridículo, porque
Deus quer. As ditaduras são arremedos de monarquias porque invejam o
patrocínio de Deus, o grande eleitor, e dispensam o incômodo de pleitos,
votos, essas bobagens. Na Inglaterra, quando a rainha decidir renunciar
e ir viver seus últimos dias na Cote D?Azur, Charles assumirá o poder
representando nada mais do que sua paciência. No Brasil da ditadura, a
questão da representatividade foi suspensa por 20 anos. Um general
elegia outro general para substituí-lo, certo de que Deus o aprovaria, e
pronto. O poder militar representa só a si mesmo.
Como se
escolhe um candidato à Presidência e depois um presidente que represente
não apenas um bloco de votos mas uma necessidade histórica, já que um
torneio de cabeçadas é inviável? Já ouvi a sugestão de que se larguem
todos os candidatos anunciados no coração da Amazônia armados com um
facão e um cartão de crédito. O primeiro a chegar a Brasília ganha a
Presidência. Sem representar nada além da sua própria ambição e da sua
saúde para o cargo.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=d5e390212ea61535b492b740102df78a
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