Ferreira Fernandes*
Jair
Bolsonaro é defensor da ditadura militar e da tortura, é racista e
homofóbico. Tem um mérito, porém: tropeça na língua portuguesa
frequentemente mas quando lhe dá, e dá-lhe muito, para dizer
enormidades, faz-se entender. "Pinochet devia ter matado mais gente" é
um exemplo do seu florilégio. Outro: "Seria incapaz de amar um filho
homossexual, prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça
com um bigodudo por aí". Como já começa a ser um padrão com brutos
notórios, há muitos que gostam: Bolsonaro é candidato presidencial nas
eleições brasileiras de outubro, e as sondagens põem-no à cabeça.
Bolsonaro
a falar dele até seria capaz de ser excelente, pelo que se revela, não
fosse haver tanta gente que gosta de brutos, mas isso eu já disse. Falta
falar dele de outras coisas que ele diz e não sabe, no fundo quase
tudo. Mas fiquemo-nos pelo que Bolsonaro disse, há dias, de um momento da História portuguesa: "O português nem pisava África, eram os negros que entregavam os escravos."
Aparentemente,
a frase suaviza o papel dos portugueses na escravatura de negros para
as Américas. É verdade que a escravatura africana precede a chegada dos
portugueses, praticavam-na os árabes e reinos negros. Mas os portugueses
pisaram África. Por exemplo, Angola por ela dentro, no hinterland
Luanda-Malanje e no sertão de Benguela, caçavam e comerciavam "peças",
isto é, gente para ser transportada pelo Atlântico e revendida como
escravos, por exemplo no Brasil.
Nessa escravatura atlântica,
Portugal começou cedo e acabou tarde. Vários historiadores portugueses
têm escrito sobre esse tráfico enorme e imundo, e da nossa
responsabilidade - e até os jornais, como o DN, têm reproduzido esse
debate. Que um político ignorante e vil apareça de alguma forma a dar
uma mão a Portugal, era o que mais faltava! Então no Brasil, onde
Portugal teve e tem uma História grande, comovedora e inspiradora - mas
também essa miserável e dolorosa escravatura -, os interlocutores devem
ser outros, porque os há, muitos e bons.
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* Jornalista.
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/ferreira-fernandes/interior/elogio-na-boca-de-bolsonaro-e-insulto-9663145.html?utm_term=Morreu+fadista+Celeste+Rodrigues+-+o+eterno+amor+a+vida&utm_campaign=Editorial&utm_source=e-goi&utm_medium=email
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