António Sacavém e Paulo Sargento escrevem sobre como o 'não' pode ser a resposta certa para um "sim maior amanhã”.
O caso da criança britânica, que espelha a situação de tantas outras crianças, é descrito no livro de Paulo Sargento, Ensine o seu filho a dizer que não.
O psicólogo desafia-nos a pensar no “não” como um acto de amor. Neste
caso, dos pais para com os filhos, “num sentido de prevenir o risco, de
habilitar o jovem a ele próprio saber defender-se”, explica ao PÚBLICO.
No livro, apresenta uma série de situações comuns na infância e
adolescência, desde o bullying aos comportamentos de risco,
passando pelos perigos da Internet e pela violência no namoro. No fundo,
trata-se de “ajudar as crianças e os adolescentes nas grandes
decisões”, como descreve no subtítulo.
“O nosso cérebro desenvolve-se não só com processos de natureza
excitatória, mas também com processos de natureza inibitória”, aponta o
psicólogo. Naturalmente, há que haver comunicação entre pais e filhos. E
essa deve ter por base dois elementos fundamentais: amor e
criatividade. Amor na forma como disciplinam, e criatividade para
encontrar soluções pertinentes para cada família e cada criança.
Sargento exemplifica: se o filho mais pequeno pergunta à mãe se joga tão
bem quanto o irmão, esta “seria desonesta e injusta se dissesse 'sim',
mas também seria muito bruta se dissesse 'não'”. Antes, pode dizer algo
como: “O mano joga muito bem à bola e tu andas muito bem de bicicleta.”
São ensinamentos que levamos para a idade adulta – para a casa e o
trabalho. “Vivemos numa sociedade de consumo imediato”, observa o
professor António Sacavém, que lançou recentemente o livro Aprenda a dizer não sem culpas.
“Não tem nada de bom nem de mau, mas estimula-nos a, por vezes, não ter
a resiliência necessária para aguardarmos, pagarmos o preço,
trabalharmos para depois procurarmos ter algo que se assemelha mais a
uma felicidade duradoura.”
O
autor defende que “o 'não' que dizemos hoje pode ser um sim maior
amanhã”. Serve o aforismo para explicar que o "não" – ou antes, o
“não-positivo”, como apresenta no livro – é, essencialmente, uma forma
de estabelecermos as nossas prioridades. É uma ferramenta para gerir
conflitos, “que nos convida a compreender as necessidades e sentimentos
dos outros e depois a procurar uma solução vantajosa para ambas partes”,
explica o autor.
Pode tratar-se de uma questão de ultrapassar a
dificuldade de contrariar um parceiro, de dizer “não” ao chefe ou até
mesmo de controlarmos os nossos próprios impulsos procrastinadores e
mantermo-nos focados numa tarefa. Por exemplo, saber como dizer "não" a
um café com um amigo, quando temos um livro para escrever. “Tive de
dizer um conjunto de 'nãos', até durante as férias, mas procurei sempre
que fossem positivos, que não pusessem em causa a relação que tenho com
os meus filhos”, exemplifica António Sacavém.
As situações mencionadas não serão com certeza alheias a grande parte
das pessoas. Tão pouco estes livros são os primeiros a identificar o
lado positivo do “não”. O best seller do New York Times de 2016 The Subtle Art of Not Giving a F*ck tem todo um capítulo dedicado à “importância de dizer 'não'”. Tal como Boundaries: When to Say Yes, How to Say No To Take Control of Your Life, editado pela primeira vez em 1992, chegou à lista de best- sellers.
“No
fundo estamos todos a falar de uma ideia fundamental que é a construção
de um cidadão, de como nos situamos perante o outro”, comenta Paulo
Sargento. “É um processo que acontece ao longo da vida”, acrescenta. No
entanto, depois da adolescência, “aquilo a que chamamos personalidade já
não é tão moldável”.
Vários tipos de "não"
António
Sacavém tem, na verdade, três variações da palavra “não”: há o
“não-negativo”, o “não-positivo” e o “não-assertivo”. É nestes dois
últimos que centra a sua abordagem. Permitem-nos, por um lado, manter o
foco no que é importante e por outro preservar uma relação saudável com
quem nos rodeia. O “não-negativo”, que define como “ácido sulfúrico para
as relações”, é aquele que nos afasta de desafios que nos fariam
evoluir, pelo medo da mudança, ou aquele que é dito de forma destrutiva.
Já o “não-assertivo” clarifica a nossa posição, sem necessitar que
“expliquemos os motivos que justificam um determinado comportamento”.
A capacidade de dizer “nãos mais competentes”
pratica-se e, por isso, é essencial definirmos o nosso propósito
pessoal. É isso que nos vai dar direcção “nos momentos em que temos de
decidir o melhor caminho a trilhar”, escreve no livro.
Um dos
primeiros passos que o autor propõe é dissociar o "não" do sentimento de
culpa. “O não-positivo é essencialmente não-egoísta”, atira. Isto
porque “procura conciliar os meus interesses com o do outro enquanto nos
mantém focados”. O profissional afirma que “temos, enquanto seres
humanos, uma tendência para misturar o comportamento com a pessoa”. “Mas
dizer 'não' ao comportamento da pessoa não significa dizer 'não' à
pessoa”, explica. “Duas pessoas podem sentir uma mesma afirmação que eu
faça de forma completamente diferente. Somos responsáveis pelas nossas
acções e não pelos sentimentos dos outros”, argumenta.
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Fonte: https://www.publico.pt/2018/08/13/culto/noticia/o-lado-positivo-do-nao-1840021?utm_term=Nelson+Evora+ja+tem+o+ouro+que+lhe+faltava%2C+Processos+disciplinares+contra+medicos+a+espera+de+desfecho&utm_campaign=PUBLICO&utm_source=e-goi&utm_medium=email
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