Lya Luft*
Quando pequena, eu tinha poucas amigas reais: não se usava muito
isso de dormir ou comer na casa dos outros, não havia praticamente
vizinhas da minha idade, e levei muito tempo para me adaptar ao Jardim
de Infância. Pra variar, chorava tanto, e por tanto tempo, que acabava
não ficando. Mas eu tinha amigos imaginários, de que já falei: uma
família inteira. Familinha, diminutos, vestidos de verde, chapeuzinho
pontudo. Eu os sentava no peitoril da janela e conversava com eles.
Imaginação infantil ou de verdade gnomos benfazejos? Criança enxerga o
que adultos há muito deixaram de ver.
Na escola, comecei a
entender amizade e coleguismo. Afinal, já podia visitar amigas e elas
vinham à minha casa. Sempre havia as mais ligadas a mim e as mais
ligadas entre si: eu, em geral a mais novinha e maior, mais pateta para
muitas coisas, ficava um pouco de fora. Mas adorava dançar de mãos dadas
no pátio da escola, cantiga de roda, sobretudo - ao entardecer nos dias
de calor - na calçada de casa. Quando se usava calçada para brincar,
conversar, não só para andar depressa, olhando sobre o ombro, bolsa
apertada no peito.
Nem sempre eu podia, nem sempre me deixavam,
pais amorosos mas preocupados e, em algumas coisas, rígidos. Quando, já
escurecendo, a criançada ainda corria ou girava na rua, eu tinha de
entrar: banho, comer e cama. Surgiram daí minhas revoluções bobas e
prematuras: "Por que tenho de entrar se as outras podem continuar
brincando? Por que tenho de comer e logo dormir? Por que, por que, por
quê? A resposta, em geral, era: "Porque eu quero". Ou: "Porque você não é
as outras". "Mas então eu sou pior?" "Não chateia, menina."
Por
isso e outros motivos, sempre desejei crescer. Ser jovem, adulta,
entrar na maturidade, envelhecer: cada vez ficaria mais independente,
mais livre. "Ninguém é livre", me diziam. É, sim, eu teimava. Livre para
ler ou caminhar quando quisesse, para dormir quando sentisse vontade,
para comer algo além de purê de batata, peito de frango, saladinha e
canja. Poder dizer coisas bobas e dar risada fora de hora sem ficar de
castigo no corredor, fora da sala de aula, por causa de uns
irreprimíveis frouxos de riso. (Que ainda tenho hoje...)
Mais
tarde, surgiram as grandes, verdadeiras amizades. Cedo vim para cá para
fazer faculdade, e Porto Alegre me adotou definitivamente, então tenho
poucas amigas de infância, mas algumas de muitas décadas. Se a gente
pouco se encontra, estamos juntas no Whats ou no Face, e viva o
cyberspace. Estamos ao alcance de um telefonema, e aqui e ali nos vemos.
Muita risada, lembrança engraçada ou novidade triste - porque uma
desvantagem do passar do tempo é que morrem mais pessoas queridas do que
quando éramos moços. Também tenho amigos jovens, o que me ensina,
comove e diverte.
Amigo, esse que não cobra, não trai, não tem
inveja nem ciúme, nem te deixa na mão - e, mesmo quando não te entende,
te curte -, como eu espero ser para os meus, é um tesouro que o tempo
não corrói, e que de um jeito ou de outro nos salva.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=66f3362b9381541bbcadcefe1f508438
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