Cosmólogo tenta resgatar papel cósmico do
humano e lamenta tentativas de minar credibilidade científica
Por Celia Rosemblum – De São Paulo
20/09/2019
Aos 11 anos, ele estava convencido de que
deveria ser um vampiro. Pesquisava o tema na Biblioteca Nacional, no Rio, onde
fazia detalhadas anotações e mapas de como chegar ao castelo de Drácula.
Depois, flertou com a carreira de músico. Por influência do pai, começou a
estudar engenharia química. “Só que logo no primeiro ano eu entendi que gostava
mesmo era de física, matemática e cálculo. Resolvi que ia fazer física e nunca
mais olhei para trás. Foi a melhor decisão da minha vida”, diz Marcelo Gleiser,
hoje com 60 anos e uma carreira reconhecida internacionalmente como físico teórico,
cosmólogo, escritor e divulgador da ciência.
Professor no Dartmouth College (Hanover, EUA),
Gleiser recebeu no fim de maio um prêmio de 1,1 milhão de libras esterlinas
(aproximadamente R$ 5,5 milhões) da Fundação Templeton - organização que se
define como “catalisador filantrópico para descobertas relacionadas às questões
mais intrigantes e profundas enfrentadas pela humanidade”. Professor no
Dartmouth College (Hanover, EUA), Gleiser recebeu no fim de maio um prêmio de
1,1 milhão de libras esterlinas (aproximadamente R$ 5,5 milhões) da Fundação
Templeton - organização que se define como “catalisador filantrópico para
descobertas relacionadas às questões mais intrigantes e profundas enfrentadas
pela humanidade”. Foi o primeiro sul-americano a se juntar ao grupo de
homenageados pelo “Nobel” da espiritualidade, como é chamado, que inclui
Desmond Tutu, Alexander Soljenítsin e Dalai Lama.
Gleiser quer divulgar sua proposição do
humanocentrismo, na qual tenta resgatar a centralidade
cósmica do ser humano —
Foto: Silvia Costanti/Valor
“Vejo a ciência como produto da nossa
capacidade de nos maravilhar com o mundo a cada vez que nos engajamos com o
mistério da criação”, explica o físico no prólogo de seu livro mais recente, “O
Caldeirão Azul” (Record), cujo lançamento o trouxe ao Brasil. Na agenda corrida
está este “À Mesa com o Valor”. São cerca de 14h20 quando ele chega de uma
conversa, que chegou muita divertida, com a equipe do programa “Pânico”, da rádio
Jovem Pan.
O almoço é no Aquarelle, restaurante do Grand
Mercure Ibirapuera, seu hotel preferido na cidade. Ali, quando é possível cavar
tempo livre, dá para correr no parque, que fica pertinho.
No cardápio do dia não há opções vegetarianas
- Gleiser deixou de comer carne há cerca de 12 anos -, mas Paulo, que estava
atendendo a mesa, oferece risoto ou massa. Ele pede ravióli com molho pesto.
Como entrada, creme de brócolis. O garçom quer saber se alguém “vai querer” a
sobremesa. “Demora um pouco para montar”, justifica. “Abacaxi não vai demorar”,
diz o físico. E emenda: “Descobri um jeito de cortar o abacaxi! Quer dizer,
descobri não, eu vi lá nos Estados Unidos”. E descreve como partir a fruta ao
meio, no sentido vertical, e depois em quartos, para servir. Achou genial.
Gleiser
fez a primeira maratona aos 52 anos e hoje enfrenta provas de 20 horas em
montanhas
— Foto: Silvia Costanti/Valor
Descobertas de todo o tipo encantam Gleiser,
um curioso nato. O cientista já estava lá na infância: na investigação sobre os
vampiros, nas coleções de insetos que fazia, nos morcegos que caçava na casa
dos avós. “Com certeza já tinha todo esse lado da pesquisa. E era totalmente
história, que tem muito a ver comigo. A física que eu faço, cosmologia, é a
história do universo”.
Na adolescência, trocou os insetos e morcegos
pelos livros de Edgar Allan Poe. Passava duas semanas de férias na casa dos
avós lendo. “Só Edgar Allan Poe, aí saia meio estranho.” Tinha angústia, virou
expert em filmes de terror, mas ao mesmo tempo jogava vôlei - foi campeão
brasileiro infantojuvenil aos 15 anos, ao lado de Bernardinho -, tocava violão.
“Eu não era um cara antissocial, nada disso, era namorador. Mas tinha esse meu
outro lado que era meio ligado com o princípio das trevas...”
As dúvidas passaram a ser existenciais: “Quem
somos nós? O que é o tempo? Por que a gente está aqui?”. Procurou em um
primeiro momento explicações na religião. “Só que cresci em família judia e
aquele Deus do Antigo Testamento realmente não me interessava muito”, lembra.
Percebeu então que a ciência moderna lida com certas questões existenciais profundas
- a origem do universo, a origem da vida, a origem da mente. Tudo começa pela
física. “É uma espécie de flerte com o mistério”, diz. Lidamos com o que não
conhecemos do mundo e de nós mesmos para expandir os horizontes, explica.
Com a mulher, Kari, e os filhos Gabriel e
Lucian em praia das Bahamas —
Foto: Arquivo pessoal
É o que ele chama de “Ilha do Conhecimento”,
título que deu ao livro lançado em 2014, em que analisa os limites da ciência.
“O paradoxo do conhecimento é o seguinte: quando a ilha vai crescendo, cresce a
margem entre o conhecido e o desconhecido. Quanto mais a gente aprende sobre o
mundo, mais mistérios vão aparecendo sobre ele.”
Gleiser encontrou na física personagens que
considera fascinantes. Albert Einstein está no topo da lista. “Ele mudou nossa
visão de mundo no início do século XX. Era um bon vivant, boêmio, uma pessoa
muito humana. Não era só aquele cientista nerd.” O que o encantava no
desenvolvedor da teoria da relatividade geral era a abertura para outros modos de
pensar sobre o mundo. “Sempre fui um cara mais teórico, meio como eram o
Einstein e o Stephen Hawking”, afirma. Seus pontos de interesse: o que é o tempo,
o que é o espaço, como é que o universo surgiu, o que é um buraco negro.
Apesar de ser “pior que medicina” nas
exigências, segundo avalia, a carreira de Gleiser andou rápido. No segundo ano
da faculdade ganhou uma bolsa de iniciação científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para estudar relatividade.
“Quando o CNPq, coitado, tinha dinheiro para dar bolsas. É um problema lamentável
que está acontecendo agora, uma vergonha total e absoluta”.
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