Por Flávia Ribeiro, Especial para Plurale
O uso da internet tem se tornado uma preocupação crescente em um
mundo cada vez mais conectado. Apesar da vasta bibliografia
internacional sobre o tema, pouco se sabe sobre o comportamento online
de homens e mulheres no Brasil. No entanto, especialistas apontam que a
internet mudou significativamente nossa forma de se relacionar. Qual o
impacto do mundo virtual entre os casais? Como enfrentamos a solidão, o
ciúme e a infidelidade online? Qual o limite do uso das redes sociais
nos relacionamentos amorosos? Facebook, instagram e Twitter tornaram-se
ferramentas tentadoras, fáceis e eficientes para checagem de perfis
alheios e monitoramento dos parceiros. Somos protagonistas das nossas
escolhas ou estamos aprisionados em fantasias, angústias e medos?
Estes são alguns dos temas abordados pelas psicólogas Adriana Nunan e Maria Amélia Penido no livro “Relacionamentos Amorosos na Era Digital”, que será lançado no próximo dia 3 de outubro na Livraria Argumento do Leblon (a partir das 19h).
Nesta entrevista para Plurale, as autoras contam
como o novo universo digital invadiu de vez os relacionamentos amorosos e
dão dicas de como evitar “golpistas” que se aproveitam da facilidade de
mídias sociais.
Além do livro, as autoras também vão ministrar curso sobre o tema na
Casa do Saber Rio em três aulas nos dias 8, 15 e 22 de outubro. Confira
os principais pontos desta entrevista.
Plurale- Na opinião de vocês, o surgimento dos aplicativos de
relacionamento encurtou as distâncias e aproximou mais as pessoas?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - A internet tem
uma relação bidirecional e dinâmica com a realidade. Assim como no
mundo real, o mundo virtual oferece oportunidades e riscos. Os
aplicativos de relacionamento conectaram pessoas e nesse sentido sim,
encurtaram distâncias ao abrir novas possibilidades de relacionamento.
Encurtar distâncias é um aspecto inegável, agora aproximar pessoas
depende do tipo de uso feito desses aplicativos. Aproximar pessoas
significa criar vínculos e envolve compartilhar intimidade. É um
processo construído pelo casal, ou seja, a forma de comunicação adotada
pelo casal é o que vai possibilitar criar vínculos virtuais verdadeiros
ou não. Podemos ter acesso a mais pessoas em diferentes lugares do
mundo, porém um sentimento de proximidade depende de como nos
relacionamos, nesse sentido os relacionamentos on e off-line diferem
pouco, ambos precisam de investimento.
Plurale - Quais os conselhos para o uso consciente e responsável dos aplicativos de relacionamento hoje em dia?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - A principal
preocupação é em relação à segurança, o uso consciente implica em um
comportamento cauteloso. Desde um cuidado em relação às informações
compartilhadas, quanto em relação a um encontro presencial. Marcar em
lugares públicos um primeiro encontro, checar amigos em comum em redes
sociais e o histórico anterior virtual da pessoa ajudam a coletar mais
informações e conferir se as informações passadas são verdadeiras. Além
disso, tomar cuidado com o material compartilhado, principalmente
imagens íntimas.
Plurale - Os golpes amorosos foram facilitados pela
comunicação via internet e redes sociais. Como evitá-los e como
identificar o perfil de um golpista?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - Golpistas
procuram indivíduos que eles consideram vulneráveis, sobretudo aqueles
que são solitários, recém separados, viúvos, idosos ou simplesmente em
busca de amor na internet. A vulnerabilidade aqui está relacionada ao
fato destas pessoas muitas vezes relatarem sentirem um vazio em suas
vidas, vazio este que o golpista rapidamente tenta preencher.
Não existe, necessariamente, um perfil de golpista porque muitos
fazem parte de quadrilhas internacionais especializadas nisto, mas
existe, sim, um comportamento muito característico de quem pratica
golpes amorosos. Os homens geralmente se apresentam como sendo de meia
idade, divorciados ou viúvos, as vezes com filhos pequenos e
frequentemente com uma história de vida trágica. São profissionais bem
sucedidos que trabalham em empregos fora do país da vítima, quase sempre
em zonas de risco (militares em áreas de guerra, indústria de óleo e
gás, etc.). Em pouco tempo começam a professar juras de amor eterno à
vítima, mantendo comunicação constante com esta até que subitamente
acontece uma “emergência” (problemas de saúde, com passaporte, roubo de
cartão de crédito, etc.) e o golpista começa a solicitar dinheiro,
prometendo devolvê-lo assim que ambos se encontrarem presencialmente (o
que nunca acontece, claro). No caso de golpistas mulheres estas
geralmente se identificam como estudantes jovens e com pouco recursos
financeiros, mas muito estudiosas, religiosas e românticas, que sonham
em encontrar um príncipe encantado. Em algum momento também começam a
solicitar dinheiro alegando, por exemplo, falta de dinheiro para pagar a
universidade, morte ou doença na família, ou compra de passagens de
avião para visitar a vítima.
Plurale - Como se proteger destes golpes?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - Em primeiro
lugar, nunca, em hipótese alguma, envie dinheiro (independente da
quantia) a quem você não conhece presencialmente. Em segundo, desconfie
sempre de quem não quer (ou diz não poder) te encontrar “ao vivo”. Uma
semana de conversas on-line é suficiente para marcar um encontro (em
lugar público, claro) e ver se, de fato, a pessoa existe. Além disso,
vale a pena fazer pesquisa reversa das fotos da pessoa no Google (para
saber se elas foram roubadas ou são fotos de modelos) e verificar as
redes sociais da pessoa (Facebook, Instagram). Se tiver amigos em comum,
melhor ainda. Não tenha vergonha e pergunte. Vale lembrar que pessoas
normais deixam rastros na internet, têm família, amigos, profissão. A
maioria das pessoas se protege emocionalmente e não jura amor eterno
após poucas conversas on-line. E, certamente, não pedem dinheiro
emprestado.
Plurale - Os relacionamentos on-line podem se tornar tão
íntimos e pessoais quanto os off-line ou presenciais? Por que é cada vez
maior o número de indivíduos que participam dos aplicativos?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - Os
relacionamentos que começam on-line podem sim se tornar tão íntimos
quanto aqueles que se iniciam presencialmente. Pesquisas recentes
indicam, por exemplo, que não existem diferenças nos níveis de
satisfação ou de longevidade entre casais que se conheceram off-line e
aqueles que se conheceram on-line. O que é importante para que um
relacionamento on-line tenha sucesso é que o casal passe a se relacionar
presencialmente o quanto antes. Assim, evita-se criar fantasias sobre o
outro, que podem não se concretizar e gerar frustração em ambas as
partes.
Os aplicativos têm atraído um número cada vez maior de indivíduos por
serem uma ferramenta prática de entrar em contato com pessoas que você
jamais conheceria em outras circunstâncias, seja por não frequentarem os
mesmos lugares que você, morarem longe, etc. Devemos ter em mente que
os seres humanos estão cada vez mais isolados. Nos grandes centros
urbanos as pessoas trabalham demais e interagem muito pouco. Ou estão
correndo de um compromisso para outro, “grudadas” na tela de um
smartphone ou com um fone de ouvido. Isso sem falar na violência, que
tem feito com que muitas pessoas evitem sair de casa em determinados
horários. Neste sentido os aplicativos de relacionamento têm sido muito
úteis porque são eficientes, relativamente baratos e eliminam as
barreiras geradas pelas inseguranças básicas que a maioria das pessoas
tem: “será que ele/ela vai gostar de mim?”.
Plurale - Nunca estivemos tão conectados e tão solitários. O
mundo virtual aumenta o sentimento de solidão das pessoas? Há uma
tendência da relação entre o uso da internet e o sentimento da solidão?
Adriana Nunan e Maria Amélia Penido - A era digital
trouxe muitas dúvidas e incertezas sobre a melhor maneira de integrar a
vida on-line com a vida off-line. Um aspecto relevante dessa integração é
a relação entre o uso da internet e o aumento ou não da solidão no
mundo contemporâneo. Os dados mais recentes indicam que essa relação é
complexa. Não apenas o uso da internet pode refletir em maior e menor
solidão, como as características específicas das pessoas solitárias
podem influenciar o uso da internet, levando a mais ou menos solidão.
Parece que o problema não é usar ou não a internet, mas, sim, como esse
uso é feito. Pessoas que tendem a usar a internet para ampliar seu mundo
real e para obter mais possibilidades de interação social integrada com
a vida real diminuem o sentimento de solidão. Já pessoas introvertidas,
com problemas pessoais, ou solitárias, tendem a usar a internet para
fugir dos problemas da vida real. Esse uso está associado à depressão e
maior solidão. A vida real é mais importante e o acesso à internet deve
ampliar nossas possibilidades de interação social, sem substituí-la. A
integração equilibrada entre os dois mundos pode contribuir para melhor
qualidade de vida e um uso da internet que diminua a solidão.
Autoras:
Adriana Nunan
Doutora
e Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-Rio), além de Pós-Graduada em Comunicação e Imagem
(PUC-Rio). Possui formação em Terapia de Família e Casal. Autora
do livro "Homossexualidade: do preconceito aos padrões de consumo" (Rio
de Janeiro: Caravansarai, 2003), além de diversos capítulos e artigos
científicos. Terapeuta Cognitiva, sócia-fundadora da Associação de
Terapias Cognitivas do Estado do Rio de Janeiro (ATC-Rio) e Terapeuta
Certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
Suas áreas principais de interesse incluem transtornos de humor e
ansiedade, terapia de casal, sexualidade e terapia de luto. Atende, no
Rio de Janeiro, em consultório particular, pacientes adultos individuais e casais.
Maria Amélia Penido
Doutora
e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Pós-doutoranda do Núcleo Integrado de Pesquisa nas Abordagens
Cognitivo Comportamentais (NIPPACC/LABPR/ IPUB/UFRJ). Professora e
supervisora de estágio da PUC-Rio em Terapia Cognitivo Comportamental
(TCC). É autora de artigos e capítulos de livro em Psicologia Clínica.
Terapeuta Certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas
(FBTC). Sócia-fundadora da Associação de Terapias Cognitivas do Estado
do Rio de Janeiro (ATC-Rio) onde foi presidente e hoje atua como
Diretora. Participa do grupo de trabalho Pesquisa básica e aplicada em
uma perspectiva cognitivo comportamental da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Suas principais áreas
de interesse incluem transtornos de ansiedade, depressão, habilidades
sociais, psicoterapia de grupo, compaixão, ensino e supervisão na área
clínica. Atende na Clínica Penido de Terapia Cognitiva, onde é fundadora
e sócia-diretora.
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Fonte: https://www.plurale.com.br/site/noticias-detalhes.php?cod=17073&codSecao=6&q=Entrevista+com+as+Autoras+do+livro+%E2%80%9CRelacionamentos+Amorosos+na+Era+Digital%E2%80%9D&bsc=ativar
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