Este é o ano em que Luis Fernando Verissimo
completa 50 anos no ofício que o consagrou. Como cronista, viu seu nome
circular por diferentes públicos e seus personagens ganharem o
imaginário popular - o marco inicial foi 19 de abril de 1969, quando
assumiu uma coluna diária em Zero Hora.
Hoje, Verissimo completa 83 anos de vida. Sem
planos de se aposentar, segue firme no debate público por meio de seus
textos.
Nesta entrevista, conta como a sombra da censura incidia sobre
seu trabalho durante a ditadura militar. E afirma: nada garante que os
censores não voltarão em breve às redações.
Como foi o início no trabalho de cronista, há 50 anos?
Comecei a trabalhar na Zero Hora, era no Centro, na
Sete de Setembro, no início de 1967. Naquela época não precisava ter
diploma de jornalista. Fazia literalmente de tudo. Até horóscopo. Fazia
também a seção Programinha, sobre os bares. Às vezes inventava um bar. O
cronista principal do jornal era o Sérgio Jockyman (1930-2011). Eu já
havia escrito alguns textos de opinião e, quando o Jockyman foi para a
Caldas Júnior, me convidaram para ficar no lugar dele. Comecei a
escrever todos os dias, sobre tudo. Foi na época brava da ditadura.
Todos nós, jornalistas e cronistas, escrevíamos sob ameaça da censura.
A censura era um peso muito grande na hora de criar?
A gente já sabia o que podia e não podia dizer. Aqui no
Sul, antes de mais nada houve a autocensura. Os jornais do Rio e São
Paulo era censurados mesmo. Tinha que submeter as edições do jornal aos
censores. Aqui foi mais autocensura. O pessoal não queria se incomodar,
sabia quais eram os assuntos proibidos e se controlavam. Às vezes a
gente escrevia uma crônica sabendo que não ia sair.
Como provocação?
Não. Quando escrevia uma crônica assim, nem mandava
para o jornal. Sabia que não ia sair. Escrevia para satisfazer a mim
mesmo. A gente sempre tinha uma crônica de reserva, na gaveta. Se uma
não poderia sair, mandava outra tratando de qualquer assunto leve, do
sexo dos anjos.
O que era proibido?
Não podia obviamente criticar o governo. Não podia
falar de militar. Também não podia falar do Brizola nem citar o Dom
Helder Câmara. A gente sabia o que seria proibido.
Hoje o governo conta com muitos militares. É um retorno por meio do voto. Isso foi uma surpresa para o senhor?
Sim. É um governo militar meio disfarçado. Não foi
preciso botar os tanques na rua. Foi no pleito mesmo. A ideia que a
gente tinha é que o tempo da ditadura havia passado e ninguém sentia
muita saudade. Na verdade, muita gente estava querendo a volta da
ditadura, dos militares. Isso se viu na eleição, com o Bolsonaro. É uma
figura quase caricata, autoritária. E ganhou com 60 milhões de votos.
Não há como desprezar isso.
Qual é a importância do cronista no Brasil atual?
Temos liberdade de imprensa, pelo menos formalmente. As
pessoas estão escrevendo o que querem. Ao mesmo tempo, estamos vivendo
em um regime autoritário. A censura à imprensa pode voltar.
O senhor está falando na volta da censura
direta? Ou de algo indireto, como redução de recursos para veículos que
não estão alinhados com a postura do governo?
Estou falando que uma censura ostensiva pode voltar.
Outras eleições estão vindo. Vamos ver qual será o comportamento do
eleitorado. No caso desta eleição do Bolsonaro, foi surpreendente.
Há 50 anos, a influência do cronista era mais ampla?
Era diferente. Há 50 anos não existia internet. Hoje,
são vários veículos de comunicação atuando. Em termos técnicos, isso
determina muitas coisas. O contato do público com a informação é muito
mais diluído. O texto permitia a você desenvolver uma ideia, uma
posição. Já a comunicação na internet é rápida, porém geralmente
superficial. Isso influencia muito nosso trabalho. A questão técnica,
digital, mudou tudo.
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Reportagem Por alexandre.lucchese@zerohora.com.br
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e710549329cbc30d8cfa23cdd4b97f2f
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