O projeto
"minimundo" ainda tem força no Brasil, diz Scheinkman:
"Evidentemente beneficia uma parte do empresariado"
Do país em formação de José Bonifácio à terra em transe de Jair
Bolsonaro (PSL), o Brasil que chegará em 2022 não está para festas. A três anos
do bicentenário da Independência, as preocupações são imediatas - em meio à
maior crise econômica, política e ambiental da história -, mas o marco já chama
à reflexão especialistas que apontam uma nação na encruzilhada. Convidados pelo
Valor, eles respondem a duas perguntas básicas: que projeto de país trouxe o
Brasil até aqui e qual o levará adiante.
De uma sociedade jovem, católica e em crescimento por longos períodos, o
Brasil do bicentenário terá o desafio de se reencontrar como uma nação
envelhecida, evangélica e presa à armadilha da renda média, em que está
enredada desde a década de 1980, afirma o cientista político e professor da
FGV-Rio Octavio Amorim. A dificuldade de se construir um projeto de país não
vem apenas da aguda polarização política ou do desequilíbrio fiscal na
economia. Passa pela perda da janela demográfica. Depende ainda das consequências
de um fenômeno mundial que afeta a sobrevivência da ordem constitucional.
"A questão da democracia é um problema. Há uma propensão
autoritária grande do atual presidente. Mas esse nacional-populismo não é uma
jabuticaba brasileira. Está nos Estados Unidos, na Itália, na Hungria, na
Turquia, nas Filipinas, na Índia. O Brasil nunca esteve à margem das grandes
ondas mundiais", diz Amorim.
Se há quase 200 anos as terras tupiniquins eram afetadas pelos ventos
internacionais do liberalismo da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas,
que enfraqueceram a metrópole Portugal, hoje o Brasil balança com as
turbulências da reação iliberal à globalização econômica. Para Renato Lessa,
professor associado de filosofia política da PUC-Rio, o projeto de país
baseia-se, antes de qualquer coisa, na "recuperação da normalidade",
"do processo civilizatório" e na desintoxicação do ambiente político.
Com a Itália, diz, o Brasil se tornou um laboratório de teste para "um
mundo distópico, protagonizado por sujeitos que querem desconstruir".
Lá fora, o grande projeto, não de um país, mas de um continente inteiro,
erguido em torno da União Europeia, é atacado por líderes como o presidente
americano Donald Trump, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o
ultradireitista italiano Matteo Salvini. Na esteira desses movimentos, o Brasil
põe em xeque a concepção e até mesmo os limites de nação, construídos desde a
Independência. É o que alerta Lessa e também o professor Matias Spektor,
pesquisador de relações internacionais da FGV-SP.
Ponto de
convergência entre os especialistas, se o império fracassou, como descreve
Amorim, de forma "patética" na economia escravagista, por outro lado
o principal legado político dos reinados de Pedro I e Pedro II foi a construção
de um território gigantesco com uma única língua. Para Spektor, porém, esse
espaço de dimensões continentais - "a distância do Oiapoque ao Chuí é
maior do que a de Lisboa a Moscou" - está em risco, seja pela expansão do
crime organizado, à frente o Primeiro Comando da Capital (PCC), seja pela crise
de países vizinhos, como a Venezuela. "Nesses casos, tudo que era
fronteira segura deixou de ser. É um fenômeno novo para o qual não se tem
resposta. A solução não é a militarização, como foi na Colômbia. O processo
agora é de erosão, na direção contrária a desses 200 anos, quando o território
só aumentou", diz.
O consultor Darc Costa afirma que não se deve fazer desenvolvimentismo
conservador nem ambientalismo radical, e que solução virá por meio da aplicação
da tecnologia
Outra
concordância entre os especialistas, como o economista José Alexandre
Scheinkman e o consultor Darc Costa, é que o único momento claro em que o
Brasil teve um projeto consensual de nação - que "uniu elites, esquerda e
direita, civis e militares", conforme também pontua Amorim - foi a
Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. O projeto de modernização e de
industrialização do país, de estilo nacional-desenvolvimentista, perdurou até o
fim da ditadura militar, lembra Costa, presidente do Instituto Brasilidade.
Scheinkman pondera que, a partir da Grande Depressão, o Brasil encampou um projeto que o isolou paulatinamente do restante do mundo. Para o professor de economia da Universidade Columbia, o objetivo foi tornar o país um "minimundo" onde os bens e serviços eram produzidos e consumidos, com pouca conexão com o restante do mundo.
Scheinkman pondera que, a partir da Grande Depressão, o Brasil encampou um projeto que o isolou paulatinamente do restante do mundo. Para o professor de economia da Universidade Columbia, o objetivo foi tornar o país um "minimundo" onde os bens e serviços eram produzidos e consumidos, com pouca conexão com o restante do mundo.
"Esse
foi um projeto muito dominante no Brasil, que começa a ser desmontado a partir
do governo Collor, embora a partir da década de 1980 as evidências internacionais
já apontassem que ele estava fadado ao fracasso", diz Scheinkman, que
também é professor emérito da Universidade Princeton.
Ele ressalta que, apesar de já não ter a força de antes, esse projeto do "minimundo" brasileiro "de uma certa maneira continua até hoje". "Esse projeto ainda tem força, evidentemente beneficia uma parte do empresariado", avalia Scheinkman.
Mas Costa, que foi vice-presidente do BNDES, critica o abandono do projeto após a redemocratização, em 1985, em prol de um modelo liberal baseado nos interesses do capital paulista, representados por PSDB e PT, que, por sua vez, foi derrotado na última eleição pela ascensão do fenômeno bolsonarista.
Ele ressalta que, apesar de já não ter a força de antes, esse projeto do "minimundo" brasileiro "de uma certa maneira continua até hoje". "Esse projeto ainda tem força, evidentemente beneficia uma parte do empresariado", avalia Scheinkman.
Mas Costa, que foi vice-presidente do BNDES, critica o abandono do projeto após a redemocratização, em 1985, em prol de um modelo liberal baseado nos interesses do capital paulista, representados por PSDB e PT, que, por sua vez, foi derrotado na última eleição pela ascensão do fenômeno bolsonarista.
Para
Lessa, assim como os líderes congêneres da direita mundial, Bolsonaro é
portador de um "desprojeto". "O que vejo no futuro imediato é a
desconfiguração da ideia de nação. O Brasil deixa de ser um país e passa a ser
um lugar, um território, para se fazer negócio, com um mínimo de regulação.
Como era na época da colônia, quando o Brasil não era um país. Era um espaço de
predação, inclusive no regime de trabalho, em que podia se usar mão de obra sem
qualquer restrição", afirma.
O
professor da PUC-Rio diz que a destruição do arcabouço de instituições ligadas
ao projeto pós-1930 é a "revolução que está acontecendo no momento",
cujo principal aspecto está na figura do ministro da Economia. Paulo Guedes
seria "o mais deletério de todos" os "operadores
demoníacos" do bolsonarismo, critica. "Esses caras são os
bolcheviques de direita. São os primeiros bolcheviques, para valer, que
apareceram no Brasil. O velho Partido Comunista era reformista, queria reformas
lentas", diz.
Costa diz acreditar que atualmente "não existe um projeto claro" e afirma que "a discussão é da mão para a boca, como foi nos últimos 40 anos". Para ele, ainda vivemos a falta de uma real integração nacional, com a "Amazônia completamente fora". Sem citar o atual governo, Costa afirma que não se deve fazer na região o desenvolvimentismo conservador, "que é fazer a Amazônia ser cooptada pela pata do boi como se fosse o Oeste americano". "Também não pode ser pelo ambientalismo radical, que acha que o extrativismo vai resolver o problema. Não vai resolver, tem que aplicar tecnologia", diz.
Costa diz acreditar que atualmente "não existe um projeto claro" e afirma que "a discussão é da mão para a boca, como foi nos últimos 40 anos". Para ele, ainda vivemos a falta de uma real integração nacional, com a "Amazônia completamente fora". Sem citar o atual governo, Costa afirma que não se deve fazer na região o desenvolvimentismo conservador, "que é fazer a Amazônia ser cooptada pela pata do boi como se fosse o Oeste americano". "Também não pode ser pelo ambientalismo radical, que acha que o extrativismo vai resolver o problema. Não vai resolver, tem que aplicar tecnologia", diz.
Segundo o cientista político e professor da FGV-Rio Octavio Amorim,
a questão da democracia é um problema, mas o nacional-populismo
não é exclusividade brasileira
O
ex-ministro Roberto Mangabeira Unger, professor de Harvard e titular da
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no governo de Dilma Rousseff (PT),
destaca que é predominante na história do país a existência de um
"contraprojeto nacional" composto por três elementos: a aposta na riqueza
fácil da natureza descasada da inteligência; o apelo ao trabalho barato e
desqualificado; e a abdicação de qualquer tentativa de construção
institucional. Nesse terceiro elemento, Mangabeira aponta duas formas distintas
de "abdicação institucional" e diz que o Brasil reveza entre o
"partido da onda" e o "partido da mensagem".
"A ideia do partido da onda é a de que em determinado momento no mundo há uma onda, uma maneira de organizar e de produzir definida pelas potências dominantes da época. Essas potências organizam o sistema mundial e dão o tom daquilo que é vanguarda. E, segundo o partido da onda, o que é realista para o Brasil é surfar na onda. É ocupar o nosso lugar, tipicamente subalterno, periférico, nesse sistema", afirma Mangabeira, acrescentando que o Brasil "quase sempre" foi governado por militantes do partido da onda, "ainda quando pretendiam ter outra filiação ideológica".
Na outra ponta, Mangabeira diz que o partido da mensagem busca aplicar no país o figurino institucional que "admiramos nos países mais avançados". A principal diferença entre as duas vertentes, segundo o professor, é que o partido da onda só reproduzia a forma do modelo institucional estrangeiro, pois sabia que essa reprodução seria apenas "um arremedo". "E aceitava esse arremedo como parte do preço do realismo político. O partido da mensagem insistia em tornar o arremedo efetivo", diz Mangabeira, citando como exemplos Rui Barbosa e o próprio avô, o político baiano João Mangabeira. "Mas não havia uma visão penetrante e fecunda do que fazer da contradição entre essas instituições admiradas e a realidade brasileira", acrescenta.
Essa falta de um projeto que combatesse as diferenças existentes entre a realidade brasileira e os modelos estrangeiros que muitas vezes serviam como base para a constituição do planejamento do Estado brasileiro existia já na Independência. O jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor de livros sobre a chegada da família real no Brasil, em 1808, a Independência, em 1822 e a Proclamação da República, em 1889, explica que o plano das elites brasileiras e da própria monarquia portuguesa era a manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, criado por D. João VI.
"Até
as vésperas do grito do Ipiranga, eram raras as vozes entre os brasileiros que
apoiavam a separação completa entre metrópole e colônia. A maioria defendia
ainda a continuidade do Reino Unido, que dava acesso aos produtos brasileiros
nos mercados europeus sem o antigo monopólio português", diz Gomes, que
lançou na semana passada "Escravidão: do Primeiro Leilão de Cativos em
Portugal Até a Morte de Zumbi dos Palmares" (Globo Livros, 504 páginas),
primeiro volume de uma trilogia sobre a escravidão no Brasil.
O que deu
errado no planejamento foram as cortes constituintes portuguesas, que tentaram
reconduzir o Brasil à condição de colônia, precipitando o movimento de
independência brasileiro. "Os brasileiros apenas se aproveitaram das
fissuras abertas na antiga metrópole para executar um projeto que, a rigor,
ainda não estava maduro", diz Gomes, citando tese do historiador Sérgio
Buarque de Holanda.
Para Renato Lessa, da PUC-Rio, o projeto de país se baseia na
"recuperação da normalidade", "do processo civilizatório" e
na desintoxicação do ambiente político
Nesse
ponto, Gomes e Mangabeira convergem sobre os riscos do processo de
independência de um país de grande território cuja elite era composta, segundo
o jornalista, "por traficantes de escravos, fazendeiros, senhores de
engenho, pecuaristas, charqueadores, comerciantes, padres e advogados".
Para Mangabeira, a ideia inicial pós-1822 foi de um país que precisava impor a
unidade nacional ao "acampamento". "Acampamento porque a
premissa era a de que o Brasil constituído na base do povoamento europeu
oportunista e da escravatura africana não era uma nação, era um acampamento. E
um acampamento composto por predadores e suas vítimas. E para virar uma nação,
só por intervenção forte do Estado nacional", diz, ressaltando que essa
força do Estado se manifesta na história como autoritarismo centralista e
nacional, em oposição aos partidos da onda e da mensagem.
Mais uma vez, Mangabeira enxerga fragilidades nesse autoritarismo, pela falta de uma estratégia objetiva de desenvolvimento e pela confusão entre direção forte a autoritarismo político. "Em vez de propor a reinvenção das instituições políticas, que aprofundasse a democracia, aceitou-se o autoritarismo. O autoritarismo é uma espécie de simplificação grosseira, de atalho."
Mais uma vez, Mangabeira enxerga fragilidades nesse autoritarismo, pela falta de uma estratégia objetiva de desenvolvimento e pela confusão entre direção forte a autoritarismo político. "Em vez de propor a reinvenção das instituições políticas, que aprofundasse a democracia, aceitou-se o autoritarismo. O autoritarismo é uma espécie de simplificação grosseira, de atalho."
Para
Amorim, essa cultura autoritária é um traço contínuo que renasceu em tempos de
radicalismo bolsonarista. Mas pondera que o Brasil também é portador de uma
tradição constitucional, liberal e democrática, ainda que errática -
diferentemente dos Estados Unidos, onde os três elementos sempre foram
constantes. O cientista político diz que a monarquia legou uma cultura nacional
parlamentar e foi um regime "eminentemente civilista". É com o
advento da República - um dos poucos momentos-chaves que tiveram lógica
própria, sem influência de uma onda internacional, pontua - que se dá o
nascimento da "questão militar, que achávamos dormente". Octavio
Amorim vêm como um retrocesso a presença de generais e outros oficiais - ainda
que a maioria da reserva - em um terço dos ministérios do governo Bolsonaro.
"É a nossa bengala política. A tutela voltou", diz.
Na mesma
linha, Renato Lessa vê o retorno dos militares à arena política como um
obstáculo à construção de um projeto de país. Seriam um ponto de
desestabilização que põe limites ao equilíbrio democrático. "O Exército
representa a direita brasileira. Toma partido", pontua. Lessa lembra da
mensagem em tom de ameaça do general Eduardo Villas Bôas, então comandante do
Exército, na véspera do julgamento em que o Supremo decidiu sobre o pedido de
liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em abril de 2018.
"Foi um divisor de águas. Os militares vêm tensionando esses
limites", diz. Meses depois, Villas Bôas afirmou em entrevista que seu
objetivo, como um "moderado" do Exército, era intervir na decisão da
Corte porque recebia pressão de setores mais radicais da caserna. "E
parece que é verdade. Mas imagine então o que dizem os que não são moderados.
Quando o general Heleno é apresentado como um moderado, meu Deus do céu, o que
os radicais querem fazer?", diz.
Para o professor, as Forças Armadas não conseguiram algo simples, "que é se desligar dos crimes da ditadura". "O que esses generais têm a ver com aqueles crimes? Isso foi há 50 anos, eram jovens. Mas fazem questão de manter essa memória intacta, de cultuar pessoas execráveis como seus heróis. Por que eles não se livram disso? Por que não se orgulham de um herói militar, um homem extraordinário como o marechal Rondon? É inacreditável", diz.
Para o professor, as Forças Armadas não conseguiram algo simples, "que é se desligar dos crimes da ditadura". "O que esses generais têm a ver com aqueles crimes? Isso foi há 50 anos, eram jovens. Mas fazem questão de manter essa memória intacta, de cultuar pessoas execráveis como seus heróis. Por que eles não se livram disso? Por que não se orgulham de um herói militar, um homem extraordinário como o marechal Rondon? É inacreditável", diz.
Para
Lessa, as forças contrárias ao que o Brasil já teve de projeto "são
poderosíssimas" e, por isso, sua reconstrução, no momento, não está no
horizonte. Além dos militares, critica o "sistema de comunicação" -
"tem um papel acanhado e não está percebendo o risco que está
correndo" - e uma elite social e econômica que tem comportamento
"absolutamente oportunista" em relação à política. "É uma elite
que é capaz de sacrificar qualquer projeto de construção institucional e
representativa ao apetite imediato", afirma.
Por "apetite imediato", ele se refere ao apoio às mudanças implementadas por Paulo Guedes. "Essas reformas passaram no Chile graças à repressão do [Augusto] Pinochet. Agora estão passando no Brasil pela intoxicação proporcionada pelo regime Bolsonaro", compara Lessa, que também aponta erros cometidos pela esquerda, como a fragmentação numa pauta identitária.
Por "apetite imediato", ele se refere ao apoio às mudanças implementadas por Paulo Guedes. "Essas reformas passaram no Chile graças à repressão do [Augusto] Pinochet. Agora estão passando no Brasil pela intoxicação proporcionada pelo regime Bolsonaro", compara Lessa, que também aponta erros cometidos pela esquerda, como a fragmentação numa pauta identitária.
Segundo Laurentino Gomes, as cortes constituintes portuguesas tentaram
reconduzir o Brasil à condição de colônia, precipitando o movimento de
independência
Na
contramão da maioria dos especialistas, o coordenador do curso de relações
internacinais do Ibmec de Belo Horizonte, Adriano Gianturco, afirma que há
relativa melhora depois da eleição de Bolsonaro e que um dos grandes problemas do
Brasil é a obsessão em querer ter um projeto nacional, o que considera
autoritário. "Claro que tem as dores, os ruídos de qualquer mudança, e não
que eu esteja gostando dos tons do debate, mas antes era um monólogo. Hoje há
um diálogo. Seria melhor que fosse civilizado, mas há muito idealismo e as
pessoas precisam conviver com a diferença", diz Gianturco, para quem
Bolsonaro representaria a ascensão de uma verdadeira direita que faltava ao
país. O professor considera o PT um partido de extrema esquerda e o PSDB de
centro-esquerda, embora a literatura de ciência política classifique os
petistas como centro-esquerda e o tucanos de centro ou centro-direita.
Italiano que está há nove anos no país,
Gianturco critica a relação entre o sonho de ver o Brasil como grande potência
internacional e a necessidade de um Estado forte. O professor nega que nações
no topo do desenvolvimento, como as escandinavas, tenham um modelo de regulação
que leva ao Estado de bem-estar social. Para ele, estão entre as mais liberais.
Em sua opinião, o Brasil correria o risco de abraçar um nacionalismo de
indianos e paquistaneses, que se contentam em ter sistemas antimísseis e bomba
atômica, mas formam uma população majoritariamente pobre, com baixa renda per
capita. "A elite que propõe a ideia de um projeto de país é positivista,
quer uma sociedade controlada de cima para baixo. O Brasil não é o fim, é o
meio. É inevitável que haja visões diferentes. Se cada um quer impor sua
própria visão aos outros, a única consequência lógica é exatamente a briga
política nos termos que está tendo agora", diz.
Octavio
Amorim e Matias Spektor veem pontos positivos em meio ao ambiente pessimista. O
primeiro destaca que - apesar da polarização e de não haver "consenso mais
sobre nada", o que prejudica a construção de um projeto de país e,
sobretudo, uma sólida aliança política para sustentá-lo - o Brasil está há seis
anos em crise com instituições democráticas em funcionamento. "No golpe de
1964, o país não conteve o conflito no marco da Constituição de 1946, e a
democracia durou 18 anos. A Carta de 1988 já é a mais longeva Constituição da
nossa história, com 31 anos", diz.
Para Spektor, argentino de nascimento, o Brasil tem algo que "vale ouro" e com o qual todo estrangeiro se encanta: uma identidade nacional, cheia de valores próprios, e uma sociedade vibrante que independe dos governos. "Há uma civilização brasileira. Os governos passam e a sociedade fica, apesar desse lado violento, brutal, tosco e vanguarda do atraso que vemos agora mas que sempre existiu. Essa sociedade foi a última a abolir a escravidão, depois do Egito", diz. Em sua visão, Bolsonaro ainda representa a mesma geração de presidentes, desde a redemocratização, que viveram na ditadura, seja contra ou a favor dela, e que, ao fim de seu mandato, haverá uma mudança geracional: "A roda gira."
Scheinkman lembra a incerteza jurídica, a falta de uma estrutura de pesquisa e os resultados ainda ruins na área educacional como projetos ainda por fazer no país. E, de forma taxativa, afirma que "o Brasil nunca teve um projeto de tentar integrar as pessoas mais pobres na economia". "O nível de fator de produção no Brasil é baixo. Temos pouco capital instalado e pouca educação, uma força de trabalho pouco educada", ressalta o economista.
Para Spektor, argentino de nascimento, o Brasil tem algo que "vale ouro" e com o qual todo estrangeiro se encanta: uma identidade nacional, cheia de valores próprios, e uma sociedade vibrante que independe dos governos. "Há uma civilização brasileira. Os governos passam e a sociedade fica, apesar desse lado violento, brutal, tosco e vanguarda do atraso que vemos agora mas que sempre existiu. Essa sociedade foi a última a abolir a escravidão, depois do Egito", diz. Em sua visão, Bolsonaro ainda representa a mesma geração de presidentes, desde a redemocratização, que viveram na ditadura, seja contra ou a favor dela, e que, ao fim de seu mandato, haverá uma mudança geracional: "A roda gira."
Scheinkman lembra a incerteza jurídica, a falta de uma estrutura de pesquisa e os resultados ainda ruins na área educacional como projetos ainda por fazer no país. E, de forma taxativa, afirma que "o Brasil nunca teve um projeto de tentar integrar as pessoas mais pobres na economia". "O nível de fator de produção no Brasil é baixo. Temos pouco capital instalado e pouca educação, uma força de trabalho pouco educada", ressalta o economista.
Mangabeira
também traça um caminho pouco convencional no país para a construção de um
projeto de sucesso. "A base de tudo é a rebeldia. A rebeldia nem sempre é
premiada na história, mas a obediência é castigada invariavelmente. Rebeldia
não basta, porque cega. A rebeldia tem que ter olhos e daí insisto na
importância das ideias nesse momento na história do país", diz o professor
de Harvard. "Nós no Brasil temos dificuldade em nos imaginar grandes. Nós
achamos que podemos ser charmosos, mas não podemos ser grandes",
acrescenta.
Na virada dos 200 anos de Independência, no entanto, o filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro não enxerga charme nem grandeza, mas um país deprimido, sem dinheiro e sem planos, quando a data deveria ser de celebração. Ele lembra que em 1989, durante os festejos do bicentenário da Revolução Francesa, estava morando em Paris. Os franceses, conta, muito mobilizados, organizaram uma série de eventos, seminários, publicação de livros, inauguração de monumentos e museus, o que está longe do clima atual no Brasil. O Museu do Ipiranga, em São Paulo, está fechado desde 2013. O Museu Nacional, onde residia a família imperial, foi reduzido a cinzas no incêndio do ano passado. O país, atesta, está rachado. "Toda festa é uma celebração, e deveria refletir a união nacional. Mas temos um governo que vai numa linha contrária disso. Receio que fique entre a oportunidade perdida e a celebração burocrática. Afinal, a comemoração nos leva à pergunta: Por que nós estamos orgulhosos?", indaga o filósofo.
Na virada dos 200 anos de Independência, no entanto, o filósofo e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro não enxerga charme nem grandeza, mas um país deprimido, sem dinheiro e sem planos, quando a data deveria ser de celebração. Ele lembra que em 1989, durante os festejos do bicentenário da Revolução Francesa, estava morando em Paris. Os franceses, conta, muito mobilizados, organizaram uma série de eventos, seminários, publicação de livros, inauguração de monumentos e museus, o que está longe do clima atual no Brasil. O Museu do Ipiranga, em São Paulo, está fechado desde 2013. O Museu Nacional, onde residia a família imperial, foi reduzido a cinzas no incêndio do ano passado. O país, atesta, está rachado. "Toda festa é uma celebração, e deveria refletir a união nacional. Mas temos um governo que vai numa linha contrária disso. Receio que fique entre a oportunidade perdida e a celebração burocrática. Afinal, a comemoração nos leva à pergunta: Por que nós estamos orgulhosos?", indaga o filósofo.
O
ministro Augusto Heleno disse que não se manifestaria. O ministro Paulo Guedes
e o assessor do GSI, Eduardo Villas Bôas, não responderam aos pedidos de
entrevista.
-------------------------
Reportagem Por Cristian Klein e Rafael Rosas | Do Rio
-------------------------
Reportagem Por Cristian Klein e Rafael Rosas | Do Rio
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6423867/qual-e-o-projeto-para-o-brasil
06/09/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário