Por Joaquim M. M. Patrício
Pode haver espiritualidade sem religiosidade e o inverso.
Há religiosidade sem espiritualidade quando a religião é um mero ritual de solenidades, costumes, formalidades e tradições.
A espiritualidade é o estado poético do espírito.
O
espírito num estado poético sublime transcende a realidade, quando
ficamos de tal modo tocados que não temos palavras para o exprimir, ou
soltamos finitas exclamações admirativas da nossa pequenez e
incompreensão perante o inexplicável ou o infinito.
O
valor das paisagens não é decidido em função de critérios estéticos
formais relacionados com a sua simples beleza, proporcionalidade física e
cromática, interesses económicos ou utilitários, mas pelo potencial que
os seus lugares e o seu conjunto tiverem em elevar o espírito a um
patamar do sublime. O mesmo quando confrontados com uma paisagem
esmagadora e não temos palavras para exprimir o que sentimos,
estabelecendo-se uma relação espiritual com o que estamos a observar.
Thomas Gray, poeta, quando fez uma travessia pelos Alpes, em demanda do sublime, escreveu: “Ao
longo da nossa breve viagem até à Grande Chartreuse, não me lembro de
ter dado mais de dez passos sem soltar uma exclamação diante do
ilimitado”.
O
sublime é um desafio à vontade humana, confronta-nos com uma força
maior que nos ameaça, interpela e nos questiona, pode provocar medo, ira
e ressentimento, mas também admiração e respeito pelo que é poderoso e
nos transcende, podendo aliar-se a um desejo de adoração.
Numa
viagem à Argentina, não esqueço as emoções sentidas com a visão dos
glaciares, em especial numa viagem de barco em redor de um deles, que de
tão avassalador, desafiante, intimidante, imponente e sublime fez
soltar, espontaneamente, a alguns viajantes, frases como: “Alguém duvida, agora, que Deus existe!?”, “Eis uma prova da nossa pequenez e insignificância perante o que é mais poderoso que nós!”.
Podemos
transferir a espiritualidade para múltiplas experiências que temos na
vida. É comum a espiritualidade laica, como o exemplifica o “Evangelho Segundo Jesus Cristo” e “Caim”,
de José Saramago. Em experiências e relatos de viajantes como Thomas
Gray, Edmund Burke, Wodsworth, Rimbaud, Artaud e René Daumal.
Patti Smith, em recente estadia entre nós, em Lisboa, após referir “Que há algo de belo em ter uma missão”,
que a ambição, a todo o custo, de poder ocupar o trono, não vale nada
perante a brevidade da nossa existência, reconhece que procurou o
sentido da vida através do estado poético da poesia e sua
espiritualidade, fazendo dele uma forma de perscrutar o destino do ser
humano e a sua possibilidade de transcendência.
Quer nos entreguemos ou questionemos, há sempre uma procura, por meios diferentes, de alcançarmos uma “meta-física”, uma espiritualidade que pode ser uma espécie de estado poético do nada que é a essência de tudo.
Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/cronicas-pluriculturais-1678957 31/05/2024
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