terça-feira, 4 de junho de 2024

Modernização e atraso

 Por Jorge J. Okubaro*

 O atraso na transformação digital pode causar grandes impactos nas  lideranças - Olhar Digital

Investimentos e ambiente adequado são fatores indispensáveis para o progresso. Mas sem trabalhadores preparados muito deixará de ser alcançado


Enquanto o mundo já vive o que se chama a quarta revolução industrial, na qual as palavras-chave passaram a ser internet das coisas, big data e inteligência artificial, o Brasil ainda procura caminhos para preservar um setor industrial que perde relevância há quatro décadas. Em vez de se concentrar nas possibilidades que se abrem, o País precisa lutar para mitigar os ônus que o passado ainda lhe impõe. Os números são sombrios. Nos anos 1980, a indústria de transformação, o segmento que mais impulsionou a modernização da economia, respondia por mais de 20% de tudo o que o País produzia; no ano passado, sua fatia tinha diminuído para metade, cerca de 10%.

Mas parece estar se formando um clima de confiança no meio industrial. Dirigentes empresariais esperam que, com o programa Nova Indústria Brasil lançado em janeiro pelo governo federal, seja possível reverter o já longo período de desindustrialização que vem deixando o País longe do processo de grandes transformações pelo qual passa o setor em todo o mundo. “A atual política industrial é um ponto de inflexão importante”, disse ao Estadão (25/5, caderno especial) o economista Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial e Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ainda que tardia, a resposta do País à desindustrialização pode ter efeitos muito positivos.

Instrumentos tradicionais de políticas públicas compõem a Nova Indústria Brasil, como subsídios, empréstimos com juros favorecidos e aumento dos investimentos federais. Modernização tecnológica e transição ecológica estão entre os objetivos do programa. Sua estrutura inclui seis missões para o período 2024-2033, voltadas para a agroindústria, a saúde, a infraestrutura urbana, a tecnologia da informação, a bioeconomia e a defesa.

Fatores que podem favorecer esse programa têm sido citados, como a existência de um mercado interno potencial de 200 milhões de pessoas, estrutura empresarial sofisticada, capacidade tecnológica, instituições de ensino e pesquisa para produção de conhecimento e preparação de mão de obra altamente qualificada, entre outras.

Convém lembrar que esses fatores, com pequenas variações, estavam disponíveis também no período de notório encolhimento da indústria de transformação, o que sugere que eles não bastam para assegurar o êxito do programa industrial do governo. Igualmente estavam presentes no cenário econômico os fatores que prejudicavam e continuam a dificultar o crescimento da indústria e da economia em geral. A infraestrutura continua precária, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são baixos, a articulação entre centros geradores de conhecimento e o setor produtivo é frágil, ou mesmo inexistente.

A queda da produtividade da indústria é igualmente apontada como fator importante para o declínio do setor no Brasil nas últimas décadas. Qualidade da gestão, ambiente dos negócios, inovação e modernização tecnológica, capacidade de exportar, entre outros, são lembrados como determinantes para o nível de produtividade. Fator tão importante quanto esses é o capital humano, cuja qualidade e cujo desempenho estão diretamente vinculados ao nível de escolaridade (e à qualidade do ensino recebido) e à capacidade de aprendizado e de execução de tarefas novas.

Há no Brasil muitos centros de excelência de formação em diferentes campos de atividade. Mas, em média, o nível do ensino é ruim.

O Ministério da Educação informou há dias que o índice de alfabetização na idade certa retomou o nível que se registrava antes da pandemia da covid-19. É uma boa notícia. Em 2023, 56% das crianças brasileiras das redes públicas de ensino alcançaram o nível de alfabetização definido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para o segundo ano do ensino fundamental. O resultado é 20 pontos maior do que o aferido em 2021.

Mas é um resultado miseravelmente baixo. Só pouco mais de metade das crianças alcançou o nível de alfabetização que todas elas já deveriam ter atingido aos oito anos de idade. É mais um retrato das mazelas que, a despeito dos esforços notórios e produtivos de autoridades e especialistas privados para combatê-las, enodoam o sistema público de ensino brasileiro. É também uma indicação das dificuldades que a economia brasileira enfrenta e continuará a enfrentar nos próximos anos para dispor de mão de obra abundante e preparada ou em condições de ser preparada para a execução de tarefas mais complexas e múltiplas, sobretudo na indústria de transformação e nos serviços cada vez mais sofisticados que os mercados demandam.

Investimentos e ambiente adequado para estimular a atividade produtiva são, obviamente, fatores indispensáveis para o progresso. Mas sem trabalhadores adequadamente preparados muito deixará de ser alcançado. Resistimos a encarar nossos problemas e a aprender com experiências externas. Boa e ampla base educacional está entre os fatores comuns aos países que saíram do subdesenvolvimento e alcançaram altos níveis de renda.

*JORNALISTA, É AUTOR, ENTRE OUTROS, DO LIVRO ‘O SÚDITO (BANZAI, MASSATERU!)’ (EDITORA TERCEIRO NOME) E PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS NIPO-BRASILEIROS (JINMONKEN)

Fonte:  https://www.estadao.com.br/opiniao/jorge-j-okubaro/modernizacao-e-atraso/

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