Ana Mafalda Inácio
O suicídio é a segunda causa de morte entre os jovens dos 15 aos 29 anos no nosso país. A psiquiatra e professora na Faculdade de Medicina, da Universidade Católica Portuguesa diz que os “números devem preocupar-nos”, porque há “aumento de certos comportamentos”.
Mas, concretamente, o que deve ser feito, nalgumas áreas?
Temos
de investir em todos os setores da sociedade e a múltiplos níveis,
porque há setores da sociedade que estão em particular risco. A título
de exemplo, e por que os cidadãos em idade ativa passam um terço da sua
vida no trabalho, é, de facto, fundamental investir na liderança das
empresas e outras organizações, informar e formar as equipas no local de
trabalho, falar abertamente sobre como evitar fatores de risco e
promover fatores de proteção, tal como uma adequada conciliação entre o
trabalho e a vida pessoal e familiar. A nível mais individual, considero
que se devem implementar medidas que passem por promover hábitos e
estilos de vida saudáveis, com higiene do sono, atividade física
regular, e atenção aos consumos de substâncias (álcool, tabaco, café e
substâncias ilícitas) e às dependências comportamentais.
E relativamente aos serviços de saúde, o que é preciso fazer?
É
fundamental a distribuição adequada de recursos multidisciplinares nos
serviços de saúde e na comunidade, bem como o alargamento da rede
nacional de cuidados continuados integrados de saúde mental para os
doentes mais graves. A agilização de mecanismos de financiamento e de
contratação de recursos humanos no Serviço Nacional de Saúde, e o uso de
tecnologias digitais complementares às habituais modalidades nos
cuidados de saúde são igualmente medidas necessárias para podermos fazer
frente ao aumento da prevalência dessas doenças psiquiátricas,
nomeadamente perturbações depressivas e perturbações da ansiedade.
Qual a importância da saúde mental e do bem-estar das pessoas na sociedade em geral?
A
saúde mental é um determinante major para uma boa saúde. Não há saúde
sem saúde mental. Numa época pós covid, de guerra, crise económica,
ameaças ambientais e climáticas, vivemos uma fase de alarme social, com
consequências na saúde mental, em particular em grupos vulneráveis, como
mulheres, jovens, idosos, pessoas com patologias crónicas, migrantes,
refugiados e sem-abrigo.
Há doentes mais jovens com necessidade de acompanhamento?
O
que posso dizer é que cerca de metade de todas as doenças mentais
emergem antes dos 14 anos e 75% têm início até aos 25. Como tal, é
fundamental o investimento, quer na infância e na adolescência, quer na
fase de transição para a idade adulta, em particular em medidas de
promoção da saúde mental e prevenção da doença mental, e de tratamento
quando o problema já está instalado.
As escolas e outras entidades deveriam ter um papel mais ativo na prevenção destas doenças?
Em
primeiro lugar, há que identificar fatores de proteção e eventual
risco, para definirmos medidas de mitigação e recomendações ao nível
biopsicossocial. Uma vinculação precoce segura e a promoção da saúde
mental têm de começar a ser trabalhadas desde a infância, nas creches,
nos jardins de infância e depois nas escolas, em articulação com as
famílias.
Fala-se muito na integração dos doentes mentais crónicos na sociedade. Isso é possível?
Assim
como outras pessoas com doenças crónicas estão inseridas na sociedade,
também as pessoas com doença mental grave, com cronicidade, podem estar
integradas, mas para isso, há que investir em programas de reabilitação
psicossocial e mobilizar recursos comunitários de habitação, emprego, de
lazer e outros, além de respostas de saúde atempadas e adequadas às
necessidades.
Considera que ainda existe um estigma associado à doença mental. De que forma se pode ultrapassá-lo ou diminui-lo?
Falar
sobre doença mental é ter de enfrentar estigmas. Há um medo de
repercussões negativas, da preocupação e vergonha de que seja visto,
pelos outros, como um “sinal de fraqueza”. Muitas vezes é o próprio que
tem dificuldade em aceitar o problema e tende a esconder até da família,
numa autoestigmatização, outras vezes existe o estigma comunitário.
Estas atitudes impedem a procura atempada de ajuda. O estigma é um dos
maiores obstáculos para o acesso aos cuidados de psiquiatria e saúde
mental. A informação sobre o que é a doença mental e a literacia em
saúde mental contribuem para que as pessoas doentes e as suas famílias
se sintam menos perdidas, e saibam onde procurar ajuda. Quando figuras
públicas dão a cara e falam ou escrevem sobre a própria experiência de
doença mental, isso ajuda a desdramatizar e faz com que as outras
pessoas que também têm uma doença mental consigam partilhar as suas
experiências e recorram aos serviços de saúde, públicos ou privados,
como em qualquer outra doença.
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