Mariana Vick
Fazendeiro caminha
Padrão de temperaturas na superfície do Pacífico equatorial já não corresponde mais ao do evento climático. Chegada do La Niña no segundo semestre traz diferentes cenários para regiões brasileiras
O El Niño chegou ao fim. Boletim divulgado em junho pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) e por outros três órgãos do governo federal mostram que o atual padrão de temperaturas na superfície do oceano Pacífico equatorial já não corresponde mais ao do fenômeno climático. Depois dele, deve se formar o evento chamado La Niña.
O La Niña é um fenômeno atmosférico-oceânico complexo, que se caracteriza, em termos grosseiros, por gerar efeitos contrários aos do El Niño no clima global. O evento costuma afetar os padrões de chuva e temperatura nas diferentes regiões do Brasil. Apesar de ele ainda não ter começado, já há previsões de seus impactos em 2024.
Neste texto, o Nexo explica o que marca o fim do El Niño, o que é o La Niña, quais costumam ser seus efeitos no Brasil e quais são as previsões para 2024. Mostra também quais foram os resultados do El Niño desde meados de 2023.
O que marca o fim do El Niño
O El Niño é um fenômeno climático marcado pelo aquecimento anômalo das águas do oceano Pacífico na região da linha do Equador, nas proximidades da costa da América do Sul. Acontece de tempos em tempos (geralmente de dois a sete anos) e influencia o clima em várias partes do mundo. O Nexo explica no vídeo abaixo como ele funciona:
O El Niño atual começou em 2023. As condições de temperatura da superfície do mar mostravam um padrão típico do fenômeno desde junho daquele ano, segundo o Inmet. O evento foi considerado de intensidade moderada a forte, e seus impactos foram significativos no Brasil e no mundo.
Órgãos de meteorologia monitoram o Pacífico equatorial desde então para acompanhar a evolução do El Niño. Depois das medições mais recentes, eles constataram que o padrão observado nas condições de temperatura do mar indica valores próximos da média climatológica. Ou seja, não há mais a faixa quente de água que caracteriza o fenômeno.
O que é o La Niña
O La Niña é o fenômeno inverso do El Niño. Caracteriza-se, em vez de aquecimento, pelo resfriamento anormal do oceano Pacífico equatorial, como explica uma nota técnica publicada em março pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Acontece também de tempos em tempos, em intervalos que variam de dois a sete anos.
Peixes mortosTrata-se de um fenômeno importante, por ter potencial — assim como o El Niño — de alterar os regimes de chuvas e de temperaturas em todo o mundo. Além disso, episódios de La Niña podem durar meses ou anos, o que potencializa seus efeitos. O mais recente evento desse tipo durou de julho de 2020 a fevereiro de 2023.
O mecanismo que controla as alterações entre El Niño e La Niña ainda não foi completamente compreendido. Por isso, não é fácil prever os dois fenômenos. Projeções do IRI (International Research Institute for Climate and Society) citadas pelo Inmet mostram, no entanto, que há possibilidade de formação do La Niña já no segundo semestre de 2024.
69% é a probabilidade de formação do La Niña para os meses de julho a setembro de 2024, segundo boletim publicado em junho pelo Inmet
O que deve mudar no Brasil
O La Niña muda os padrões regionais do clima no Brasil, segundo o Cemaden. O evento costuma aumentar as chances de chuvas acima da média nas regiões Nordeste e Norte e propiciar chuvas escassas na região Sul. São exatamente os efeitos inversos do El Niño, que tende a agravar secas no Norte e Nordeste e favorecer temporais no Sul.
A nota técnica do Cemaden descreve os possíveis efeitos de um evento La Niña no Brasil em 2024. O cenário mais provável para a primavera deste ano é o de chuvas acima da média em estados como Amapá, Minas Gerais e Bahia, junto com chuvas abaixo da média na região Sul. As temperaturas também devem cair no Sul e em parte do Sudeste, assim como no Amapá, em razão da maior precipitação.
Já no próximo verão, a situação mais provável é de chuvas superiores à média no extremo norte do Brasil e de temperaturas inferiores ao normal em parte das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também há chances de haver temperaturas acima da média em parte do leste da região Nordeste. Os resultados poderão variar quando o fenômeno começar efetivamente, segundo o Cemaden.
As previsões são baseadas em uma pesquisa do órgão baseada em “anos análogos” aos de 2024 — ou seja, anos em que também houve transições rápidas de El Niño para La Niña. Os anos considerados análogos foram 2016, 2010, 2007, 1998 e 1995. Além de temperatura e precipitação, o Cemaden faz previsões para outras áreas:
As previsões por área
Reservatórios
Partindo do cenário atual, marcado pelo El Niño, espera-se, com a chegada do La Niña, o aumento do volume dos principais reservatórios do SIN (Sistema Interligado Nacional, responsável pela produção e transmissão de energia elétrica no Brasil) nas regiões Norte e Nordeste. Prevê-se, ao mesmo tempo, a diminuição desses volumes no Sul. O cenário é mais incerto no Sudeste e no Centro-Oeste, mas não se espera uma situação crítica, segundo o Cemaden.
Agropecuária
Com a chegada do La Niña, espera-se a recuperação da situação de seca que afetou áreas agrícolas na região Norte nos últimos meses, segundo o Cemaden. Por outro lado, nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, a estiagem deve persistir. No Sul, espera-se o aumento gradativo do número de municípios em condição de seca.
Desastres urbanos
Têm mais probabilidade de registrar desastres, na região Sul, o nordeste do Rio Grande do Sul e o leste de Santa Catarina e do Paraná; no Sudeste, a faixa leste de São Paulo, a Costa Verde do Rio de Janeiro, a região metropolitana do Rio, a serra fluminense, o sul de Minas Gerais, a região metropolitana de Belo Horizonte e o Espírito Santo; no Nordeste, o sul da Bahia; e no Norte, a área metropolitana de Manaus, o norte do Amapá e o centro-norte e noroeste do Pará.
Saúde humana
Com o aumento das chuvas, espera-se mais casos de leptospirose e de arboviroses (dengue, zika, chikungunya) no Norte e Nordeste. Já no Sul, a redução da disponibilidade de água pode aumentar o número de doenças diarréicas, além da probabilidade de incêndios florestais, associados a problemas respiratórios. Em situações de baixas temperaturas, mais prováveis com o La Niña, pode haver também casos de hipotermia em pessoas sem abrigo ou em moradias sem aquecimento adequado, segundo o Cemaden.
Quais foram os efeitos do El Niño
O El Niño atual começou a afetar o Brasil em meados de 2023. Intensificado na primavera e no verão, o evento teve impactos climáticos significativos e variados nas diferentes regiões do país, segundo o boletim do Inmet. As regiões Sul e Sudeste registraram abundância de chuva, enquanto o Norte e o Nordeste tiveram deficit, como costuma ocorrer nesses períodos.
As tempestades que atingiram o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 estão entre os principais efeitos do fenômeno. Centenas de cidades, como Porto Alegre, registraram acúmulo de água, que superou a capacidade dos sistemas de drenagem e resultou em graves enchentes e inundações. O desastre é o maior já identificado na região e um dos maiores da história do Brasil.
Outro evento influenciado pelo El Niño nos últimos meses foi a seca nas regiões Norte e Nordeste, com destaque para a Amazônia em 2023. A estação meteorológica de São Félix do Xingu, no Pará, por exemplo, registrou volume total de 890 mm ao longo do último ano, quando sua média histórica é de 1.985 mm, segundo o Inmet. O deficit de chuva afetou a agricultura, o abastecimento de água e a navegação, além de ter aumentado os riscos de incêndios florestais.
Episódios de seca também têm sido registrados na bacia do rio Paraguai, formadora do Pantanal, onde também houve aumento do número de focos de calor em 2024. Com a chegada da estação seca do bioma no segundo semestre, o Inmet afirma que é importante o monitoramento de riscos de novos incêndios. Também há ações indicadas para outras regiões:
- região Sudeste: o boletim também recomenda o monitoramento de incêndios, assim como no Centro-Oeste
- região Norte: com o início da estação seca, depois de meses de estiagem prolongada, o boletim indica o planejamento para um novo cenário de risco
- região Nordeste: com o início do período chuvoso em partes do litoral e do semiárido, o boletim orienta o preparo para desastres
- região Sul: o boletim recomenda o foco nas ações de resposta e reconstrução do desastre de abril e maio no Rio Grande do Sul
Apesar dos efeitos do El Niño, não foi só ele que influenciou os eventos registrados no Brasil nos últimos meses. Estudo publicado em janeiro mostrou que a influência da mudança climática sobre a seca na Amazônia de 2023 foi inclusive maior que a do fenômeno. Outra pesquisa, de junho, mostrou que as chuvas de abril e maio no Rio Grande do Sul foram duas vezes mais prováveis por causa do aquecimento global.
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