Luiz Felipe Pondé*
A crença nos espíritos data da pré-história. E tudo que data da
pré-história e dura até hoje implica razoável sucesso evolucionário.
Levo a pré-história muito a sério e a julgo tão importante quanto os
últimos 200 anos para que possamos entender os humanos. Só pessoas
superficiais em repertório e pobres de espírito avaliam a humanidade sem
levar em conta o Alto Paleolítico (nosso melhor momento).
A escuridão do mundo e seus ruídos, a presença dos sonhos à noite e o
medo da morte seguramente pavimentaram o caminho para o mundo dos
espíritos.
Uma coisa que sempre me chamou a atenção na crença nos espíritos é como
eles estão sempre envolvidos com as coisas terrenas. Afinal, se já
desencarnaram, qual a razão de ficarem se enrolando com os assuntos dos
encarnados? Sei da resposta padrão: missão.
Muitos desses espíritos precisam cuidar dos assuntos terrenos para que
eles mesmos ganhem alguma luz em suas evoluções espirituais. Como parte
importante dessa evolução espiritual está a necessidade de nos ajudar em
nossos rolos. Seres humanos sempre patinam nas mesmas coisas.
Já tive algumas oportunidades de ver orixás e entidades variadas, como
Exu (em si um orixá), Pombagira, Caboclo, Preto Velho e outros, em ação.
Em algumas dessas vezes cheguei a conversar com eles, e impressiona uma
certa sabedoria popular presente em suas falas. Na realidade, existem
três grande áreas de choque na vida das pessoas: 1. trabalho e dinheiro,
2. saúde e doença, 3. amor e família. Se você pensar um pouco, verá que
a maioria das coisas que nos afetam, transita, pelo menos, por uma
dessas três áreas.
Muitas vezes, suspeito que algumas dessas entidades entendem melhor
sobre humanos do que muitos professores e "cientistas" das humanidades.
Por isso, talvez, as falas desses espíritos nos soem tão significativas.
Seja porque eles (os espíritos) de fato entendem das nossas agonias,
seja porque os pais de santo e as mães de santo é que entendem dessas
nossas agonias, como pensa o cético. De qualquer forma, não me interessa
a crítica cética aqui. Interessa-me apenas como muitas dessas entidades
falam de coisas que de fato nos tocam no dia a dia. Talvez mesmo porque
sejamos banais e comuns: todos nós vivemos quase o tempo todo passando
por aquelas três grandes áreas de choque descritas acima.
Numa conversa familiar e entre amigos, uma dessas pessoas muito
conhecedoras "do ramo" soube de um relato que me chamou a atenção, e que
quero partilhar com você aqui, cara leitora e caro leitor.
O relato é o seguinte. Numa gira (evento em que entidades da umbanda
atendem pessoas em suas agonias cotidianas), um Caboclo (caboclos são da
linhagem de Oxóssi) de grande experiência em atendimento (cujo "cavalo"
é um pai de santo de enorme sucesso no ramo) se aborreceu profundamente
com as demandas de seus "clientes" ali presentes. Vale salientar para
os especialistas que se tratava de um terreiro de candomblé que tem
giras de umbanda também, o que é cada vez mais comum.
Precisamos lembrar que, mesmo no ramo de atendimento espiritual, você
deve tomar cuidado para não "chutar o saco do cliente", porque ele pode
procurar outro orixá, de outro terreiro, para se consultar. E,
normalmente, consultas assim podem se transformar em "trabalhos" de
todos os tipos, "trabalhos" esses que giram a economia do terreiro e de
quem se dedica a essa profissão. Nem só do verbo vive o homem, mas
também do pão e da carne.
A irritação do Caboclo (eu sei o nome dele, mas não quero expô-lo aqui)
foi com as "conversinhas" de seus clientes ali presentes. Segundo o
Caboclo, todo mundo só queria falar com ele sobre "bobagens mesquinhas".
E ele, vindo de "tão longe", perdera a paciência para atender pessoas
tão bobas. Para nosso Caboclo, o irritante era a "infantilidade" das
pessoas ali presentes.
Posso imaginar a irritação de um ser que já passou pela Terra antes de
ela ser tomada pela comunidade de retardados em rede que hoje assola o
mundo. Até os orixás estão de saco cheio. Caboclo de coragem esse. E
sábio.
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* Filósofo.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/03/1747069-ate-os-orixas-estao-de-saco-cheio.shtml
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