Ban Ki-moon*
Como um menino crescendo na Coreia do pós-guerra, lembro-me de perguntar
sobre uma tradição que observava: as mulheres em trabalho de parto
deixavam seus calçados em uma soleira e, em seguida, olhavam para trás
com medo. "Elas se questionam se irão usá-los novamente", explicou minha
mãe na ocasião.
Mais de meio século depois, a memória continua a me assombrar. Em partes
pobres do mundo, as mulheres ainda enfrentam risco no processo de
gestação da vida, um dos muitos perigos evitáveis.
Bebês do sexo feminino são vítimas de mutilação genital. Meninas são
atacadas em seu caminho para a escola. Os corpos das mulheres
frequentemente servem de campos de batalha nas guerras. Só podemos
resolver esses problemas por meio da capacitação das mulheres como
agentes de mudança.
Paulo Branco | ||
Por mais de nove anos, coloquei essa filosofia em prática nas Nações
Unidas. Temos quebrado tantos telhados de vidro que criamos um tapete de
cacos. Agora, estamos varrendo as suposições e os preconceitos de
antes, para que as mulheres possam ultrapassar novas fronteiras.
Nomeei a primeira comandante de uma Força de Paz da ONU, e levei a
representação das mulheres aos maiores níveis da história de nossa
organização.
Mulheres são agora líderes no coração da paz e da segurança, um âmbito
que já foi domínio exclusivo dos homens. Atualmente, quase um quarto de
todas as missões da ONU são chefiadas por mulheres. Ainda não é o
suficiente, mas o grande avanço é inegável.
Para garantir que este progresso seja duradouro, desenvolvemos uma
iniciativa em todo o sistema da ONU. Antes vista como uma ideia
louvável, a igualdade de gênero tornou-se uma política consistente. No
passado, só pequenas partes dos orçamentos da ONU eram destinadas ao
tema; hoje o padrão é investir um terço deles, em tendência crescente.
Confúcio ensinou que, para colocar o mundo em ordem, temos de começar
por nossos próprios círculos. Armado com a prova do valor das líderes na
ONU, divulguei o empoderamento das mulheres.
Tenho insistido na igualdade entre homens e mulheres e pedido
enfaticamente medidas para alcançá-la em diversas ocasiões, como em
discursos em parlamentos e universidades, em conversas com líderes
mundiais e executivos, em encontros com homens poderosos que comandam
sociedades patriarcais.
Quando assumi a secretaria-geral da ONU, havia nove parlamentos pelo
mundo sem mulheres. Ajudamos a reduzir esse número para quatro. Lancei a
campanha "Una-se" pelo fim da violência contra as mulheres, em 2008.
Atualmente, dezenas de líderes e ministros, centenas de parlamentares e
milhões de pessoas acrescentaram seus nomes a essa mobilização.
Fui o primeiro homem a assinar a nossa campanha HeForShe –ElesPorElas no
Brasil–, e mais de 1 milhão de outros se uniram desde então.
Coloquei-me ao lado dos ativistas que pedem o fim da mutilação genital
feminina e comemorei a primeira resolução da Assembleia Geral da ONU
sobre o tema.
Estou ecoando apelos de muitos para que as mulheres possam tornar
bem-sucedidos o Acordo de Paris sobre o clima e nossa ambiciosa agenda
2030 para o desenvolvimento sustentável.
Neste Dia Internacional das Mulheres, persisto indignado com a negação
de direitos para as mulheres e meninas –e, ao mesmo tempo, me inspiro em
pessoas que agem sabendo que o empoderamento das mulheres leva ao
progresso de toda a sociedade. Devemos dedicar recursos contínuos, uma
defesa corajosa e uma vontade política inabalável para alcançar de fato a
igualdade de gênero. Não há maior investimento no nosso futuro comum.
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BAN KI-MOON é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747407-do-teto-de-vidro-a-um-tapete-de-cacos.shtml
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