Reprodução / Facebook
Alunas do Anchieta ironizam o slogan do colégio durante ato
Petição feminista de alunas do ensino fundamental gera confusão nas redes sociais
O abaixo-assinado Vai ter shortinho sim,
feito por alunas do tradicional Colégio Anchieta, em Porto Alegre, fez
verão na mídia aqui do sul durante toda a última semana. No manifesto
que acompanha a petição – que já conta com mais de 20 mil apoiadores –
as gurias exigem que algumas regras do vestuário sejam alteradas pela
escola. Criada por alunas do ensino médio e acompanhada por uma carta
aberta aos coordenadores e diretores da instituição, a ação tipicamente
feminista deixou muita gente confusa.
No comovente manifesto, meninas entre 13 e 18 anos exigem que a escola se ocupe de ensinar respeito em vez de ditar o que elas podem
ou não vestir, explicam que regulações acerca da indumentária feminina
reforçam a ideia de que assediar é da natureza do homem, e pedem que a
escola abandone a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção da
violência sexual.
"Ao invés de humilhar meninas pelos seus corpos, ensinem os meninos que elas não são objetos sexuais", diz o manifesto.
O argumento feminista aqui é simples: abaixo o controle dos corpos
das mulheres – controle que, historicamente, se manifesta com força na
seara das modas. Em O Segundo Sexo (1949), Simone de Beauvoir
relata como as roupas podem ser ferramentas da opressão das mulheres,
mas é bom lembrar que o foco da crítica feminista é o machismo, more ele
na diferença salarial, na pouca representatividade política, em alguma
vestimenta específica... ou em sua proibição.
Assim, as reivindicações das alunas têm pouco a ver com a peça de
roupa própria, e mais com o que ela representa: as proibições impostas
exclusivamente às mulheres.
Uma das formas com que a sociedade julga as mulheres, em suas
sexualidades, é por meio de roupas – e a imagem acima ilustra isso muito
bem. Quando não problematizamos este péssimo hábito, quando atrelamos o
uso de certas roupas a uma suposta disponibilidade sexual, torna-se
plausível que o comprimento de uma saia acabe por denotar o caráter
sexual de quem a usa.
E é justamente para desarticular o pensamento machista de que as
roupas que as mulheres usam indicam disponibilidade sexual que
proibições como a do shortinho devem ser problematizadas.
Proibir ou incentivar o uso de certas roupas em certas ocasiões é
prática compreensível, e assim como os escritórios estão cheios de
gravatas, nas igrejas os ombros devem ficar cobertos. Mas uma coisa é
adequação institucional, outra coisa é a imposição de valores misóginos
disfarçada de adequação institucional.
Normas de boa conduta têm valor, evidentemente – mas note como os
manuais nunca impõem proibições que tolhem a autonomia corporal dos
homens para protegê-los de assédio das mulheres.
O polêmico shortinho é uma peça de roupa, um objeto inanimado e
isento de significação inerente. No entanto, é uma peça cujo design é
atrelado à objetificação dos corpos femininos (o short afinal deixa
pernocas e, em alguns casos, bundinhas de fora), e foi aí que a confusão
se deu – como é que justamente um short curtinho pode servir de pauta
para uma petição feminista que propõe que paremos de objetificar os
corpos femininos?
Bem-vindos ao pensamento feminista, cujo projeto enfrenta dilemas como este diariamente. O
shortinho pode ser ou não ser um significante da objetificação de
corpos, mas sua proibição certamente significa controle de sexualidade.
E a proibição, que é exclusiva para as meninas, só existe por causa de uma suposta falta de controle da sexualidade masculina.
Parece justo? Não. E não é. Por isso que esta petição é tão
significativa. O manifesto não é pelo direito de usar uma roupa X, mas
pelo direito de usar esta roupa sabendo que a responsabilidade pelo que
ela supostamente provocaria nos rapazes é dos rapazes.
A confusão acerca desta petição tem origem na falta de entendimento a
respeito do argumento central do feminismo, que é a erradicação da
opressão das mulheres em todas as suas formas – o que, necessariamente,
exige que os homens tomem responsabilidade por suas ações ao invés de
culpar as mulheres quando eles “perdem o controle”.
Raramente as objeções que fazemos dizem respeito apenas aos objetos
que aparecem como foco das nossas demandas. Assim, a campanha
#vaitershortinhosim não é apenas sobre o direito de usar ou não
shortinho na escola, mas também serve para promover a autonomia corporal
de todas nós, e para que os homens sejam educados a respeitá-la.
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Reportagem por Joanna Burigo
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Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-e-o-shortinho-e-o-que-o-shortinho-representa publicado
02/03/2016 05h11
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