Guilherme wisnik*
Por que é que nos sentimos cada vez mais ocupados e, ao mesmo tempo,
menos capazes de perceber o resultado palpável daquilo que fazemos?
Trata-se de uma estranha forma de vida em piloto automático: quanto mais
mensagens de e-mails você se dedicar a responder, mais mensagens terá
para responder de volta no dia seguinte.
Parece haver um sinistro paralelo entre a desmaterialização das coisas
sob a égide do capital financeiro e a superocupação improdutiva do nosso
cotidiano atual. Afinal, a economia financeira não acrescenta riquezas
ao mundo, mas, ao contrário, gera valor especulando-o de forma
predatória. Nós, igualmente, internalizamos o trabalho em nosso
cotidiano, colonizando os antigos momentos de ócio e de lazer com
atividades supostamente produtivas, e matando o tédio criativo com a
permanente e ansiosa comunicação de informações pela internet.
Esse é o tema do livro "Sociedade do Cansaço" (Editora Vozes, 2015, 78
págs., R$ 22), de Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano radicado na
Alemanha. Segundo Han, vivemos um momento de importante quebra de
paradigmas culturais, que vem substituindo os valores de alteridade e de
negatividade pela positividade homogeneizadora.
Assim, se o século 20 foi uma era bacteriológica, baseada no paradigma
bipolar da imunorreação do eu contra a ameaça infecciosa do outro, as
patologias contemporâneas são neuronais (depressão, transtorno de
déficit de atenção), causadas por excessos do próprio eu contra si
próprio.
Inaugurada pela queda de um muro, a nossa era assiste à abertura
desregulamentada do mundo para a promiscuidade da globalização, em que
tudo se equaliza.
Igualmente, o paradigma da sociedade disciplinar, feita de hospitais,
asilos, presídios, quartéis e fábricas, cede lugar a uma sociedade do
desempenho, povoada por academias fitness, torres de escritórios,
bancos, aeroportos e shopping centers. Empresários de si mesmos, seus
habitantes não são mais sujeitos da obediência, mas do desempenho e da
produção movidos pela energia motivacional: "Yes, we can". Incitados à
iniciativa pessoal, internalizam a disciplina sob a forma de uma
aparente liberdade de ação. Assim, enquanto a antiga sociedade gerava
loucos e delinquentes, a atual produz fracassados e depressivos,
paralisados por uma sociedade que crê que nada é impossível.
Daí a frequente sensação de nos percebermos em meio a uma bola de neve
que cresce sem parar, na qual perdemos o controle das nossas ações.
Respondendo sempre a coisas desencadeadas anteriormente, estamos fazendo
a roda da vida girar mas sem vislumbrar pontos de chegada, ou momentos
luminosos no caminho.
A atenção dispersa, na forma da multitarefa, não é um progresso
civilizatório, argumenta Han, e sim um retrocesso, equivalente ao do
animal que realiza suas tarefas sempre alerta ao regime da
sobrevivência. Frente ao sentimento atual de transitoriedade da vida e
do mundo, reagimos com a histeria hiperativa da produção, como uma forma
de terapia ocupacional. Mas a pura inquietação gerada pelo excesso de
informações e de estímulos é estéril. E, ao diminuir a atenção profunda,
ela coloca em xeque o lugar social da cultura e do pensamento, que é
também, no plano individual, o lugar da constituição do sujeito.
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* É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e crítico de arte.
Escreve às segundas, quinzenalmente.
Escreve às segundas, quinzenalmente.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilherme-wisnik/2016/03/1747055-superocupacao-improdutiva.shtml
Imagem da Internet
A desconstituição do sujeito já vem ocorrendo há tempo. A substituição dessa desconstrução por um ente fragmentado, ansioso, enganado entre o fazer e o ser, talvez seja o problema. O que surgirá daí? só o tempo nos dará esse entendimento.
ResponderExcluirJosé Márcio Camargo