Moisés Naím*
As
razões pelas quais os jovens se ligam a organizações terroristas têm
pouco a ver com ser pobre, muçulmano ou psicopata e mais com as
vulnerabilidades da natureza humana
Desde
os atentados de 11 de setembro de 2001, terroristas assassinaram 93
pessoas nos Estados Unidos da América (EUA). Dessas, 45 foram mortas por
jihadistas. As outras 48 foram vítimas de assassinos que nada tinham
com o Islã - foram mortes motivadas pelo ódio contra médicos e
enfermeiras que praticavam aborto, pelo fanatismo paranoico
antigovernista e pela ideologia neonazista.
Um
exame de mais de 330 condenados por tribunais dos EUA após o 11/9 por
crimes relacionados ao terrorismo jihadista revela um perfil que
contrasta com as crenças mais comuns sobre quem são esses terroristas. Quando cometeram os crimes pelos quais estão presos tinham, em média, 29 anos. Um terço era casado, outro terço tinha filhos. Tinham o mesmo grau de escolaridade que a média da população dos EUA. A incidência de problemas mentais no grupo estava abaixo da média do país. Outro dado importante é que, depois do 11/9, todos
os ataques com mortos motivados pelo terrorismo islamista cometidos nos
EUA foram executados por cidadãos dos EUA ou por residentes legais no
país.
Resumindo,
os terroristas islamistas que atuaram nos EUA depois do 11/9 são
pessoas surpreendentemente comuns. E não vieram de fora. São americanos
que viveram sempre, ou na maior parte da vida, no país. Vale ainda
assinalar que, nos EUA, é 3 mil vezes mais provável que uma pessoa
morra assassinada pelo tiro de um compatriota sem motivação ideológica
do que por um radical islâmico.
Esses dados são de Estados Unidos da Jihad[título original inglês: United States of Jihad], um livro recente de Peter Bergen,
especialista em terrorismo que ganhou fama em 1977 por seu papel de
produtor da primeira entrevista à televisão de Osama bin Laden. O livro
faz uma dissecação do que Bergen chama de “terroristas colhidos em casa”.
São os americanos que se radicalizam e se tornam soldados de uma guerra
santa contra os infiéis, particularmente contra o Ocidente, inspirada
numa interpretação extremista e distorcida do Islã.
LIVRO DE PETER BERGEN |
A grande pergunta é: por quê?
O que faz com que pessoas que, à primeira vista, não aparentam grandes
diferenças do restante da população se convertam em jihadistas? Não se
sabe. Não há consenso entre os especialistas.
Mas
algumas coisas são claras. A radicalização para a violência jihadista
tem determinantes e contextos diferentes em cada país. O jovem francês
que mata inocentes e em seguida se suicida gritando “Allahu Akbar” [Alá é grande!] teve uma experiência de vida diferente da de seu equivalente que faz o mesmo nos EUA. Na França, por exemplo, menos de 10% da população é muçulmana, mas 70% da população carcerária é. Não é o caso dos EUA, ainda que seja esse o país com maior porcentagem de população encarcerada. A
integração dos muçulmanos à vida econômica e social nos EUA é mais
harmônica e dá mais oportunidades de futuro que outros países.
Outra característica frequente, mas não universal, dos jihadistas é a existência de um “gatilho”: uma tragédia pessoal, graves dificuldades econômicas, o desconsolo pela perda de um ser amado ou um fracasso amoroso.
Mas também se chega ao jihadismo por meio de processos psicológicos mais complexos e menos evidentes. A Associação Americana de Psiquiatria
publicou em seu boletim mensal um artigo que recapitula os resultados
das pesquisas mais recentes sobre o tema. Os psiquiatras centralizam sua
explicação na necessidade que têm todos os adultos jovens de conseguir um certo “alívio existencial”.
E acrescentam: “Isso implica descobrir quem a pessoa é, a que grupo
pertence, quais seus valores, qual o sentido de sua vida, que pode
aspirar a ser e como pode mostrar seu valor ao mundo ... Para os
jovens marginalizados, que às vezes estejam em transição de uma
sociedade para outra, o processo de formação de identidade pode ser uma
tarefa desesperadora”.
Os psiquiatras concluem: “As
razões pelas quais os jovens se ligam a organizações terroristas têm
pouco a ver com ser pobre, muçulmano ou psicopata e mais com as
vulnerabilidades da natureza humana exacerbadas por certos aspectos das
sociedades ocidentais ... Para os jovens ocidentais que estão em
transição e se sentem marginalizados, solitários, perdidos, aborrecidos,
espiritual e existencialmente despossuídos e sobrecarregados pelo
excesso de liberdade, o Estado Islâmico e outras ideologias superficiais, mas contagiosas, continuarão sendo muito tentadoras como soluções instantâneas para as profundas dificuldades inerentes à condição humana”.
Essa
visão psicológica não traz muitas ideias práticas de como prevenir o
terrorismo jihadista. Mas pelo menos desmascara os preconceitos que
passam por fatos inquestionáveis e nos faz ver o perigo de adotar
políticas com base em falsas presunções.
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*Escritor venezuelano e membro do Carnegie Endowment em Washington
Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional – Segunda-feira, 21 de março de 2016 – Pág. A11 – Internet: clique aqui.
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