RITA LISAUSKAS*
É dia de flores, bombons e do
machismo de sempre
Você
acorda com o despertador às seis da manhã do dia 8 de março e ganha
abraços, beijos, flores e bombons. Na sequência, seu marido pergunta se o
café está pronto. Sim, está. Você colocou o vasinho na varanda e os
bombons na geladeira enquanto passava o uniforme do filho. Depois
arrumou a lancheira, a mochila, trocou a fralda, vestiu o bebê. Arrumou
ainda o berço do guri e sua cama, já que seu marido, coitado, não fazia
nada da casa da mãe, faz ainda menos na casa de vocês. Depois de tudo
isso, já exausta, tem que tomar banho e se ajeitar rápido. Deixar filho
no berçário e chegar na hora ao escritório. Lá mais flores e bombons
sobre uma pilha de trabalho na sua mesa. O colega da mesa ao lado da sua
– que ganha um salário maior que o seu mesmo exercendo a mesma função –
ainda não chegou, claro. Engraçado que a última vez que você pediu
equiparação salarial com ele seu chefe explicou, de um jeito tatibitati,
que fulano ganha mais que você porque pode se dedicar mais ao
escritório. São 8 horas e você já está aqui. Ele não.
Ele
também tem filhos, como você, mas não é ele quem os busca na escola.
Também não é ele quem corre ao hospital quando uma das crianças cai na
hora do recreio e tem de levar pontos, ou engessar o braço. É a mulher
dele, advogada como ele e como você. Mas nem o fato do seu colega de
trabalho e vizinho de mesa também ter filhos faz com que entenda sua
vida cronometrada. Ele não se opôs à mudança da reunião de hoje para o
horário que você tem de sair para buscar seu bebê no berçário. Você até
tentou que seu marido apanhasse o filho de vocês mas, imagina, o pai dos
seus filhos é um executivo de sucesso e não pode “dar esse mole” no
escritório. Ele também abriu mão dos míseros cinco dias de licença
paternidade, “o que vão pensar de mim se eu ficar uma semana fora?”,
disse. Você vai perder a apresentação do relatório e seu colega parecerá
muito mais comprometido com a empresa. A você caberá o papel de
advogada relapsa que não pode fazer hora extra. De novo.
Na
hora do almoço você abre mão de almoçar. Corre para o salão porque não
deu tempo de lavar o cabelo e fazer uma escova, advogada tem de estar
com o cabelo sempre liso. Queria muito assumir os cachos, tem orgulho
deles, mas já ouviu do chefe “vai à audiência com esse cabelo armado?
Isso não passa credibilidade!” Aproveita para pintar as unhas, deixar de
fazê-las pode demonstrar desleixo. Está morrendo de fome, mas tem de
correr de volta pro escritório porque se atrasar um minuto, já viu.
Todos vão perceber. E comentar.
Chegando
à sua mesa recebe um e-mail do RH convidando todas as mulheres do
escritório para uma massagem relaxante de graça, “em comemoração ao Dia
da Mulher!” Começam as piadas. “Essa mulherada precisa de massagem
mesmo, parecem que estão sempre de TPM!” Risos descontrolados dos machos
da repartição. “Quem sabe assim não ficam mais calmas?” Mais risos.
Você bem que queria algo do tipo, o pescoço anda meio travado, mas
acabou de chegar do almoço. Sair da mesa de novo? Pode pegar mal. Os
homens em peso aproveitam a massagem.
A
tarde voa e você não se dá ao luxo nem para um cafezinho. Faz tudo o
que tinha que fazer, ainda adianta um pouco um relatório que é para
amanhã. A galera se apronta para a tal reunião e você voa para o
estacionamento. O trânsito tá meio congestionado e você chega à escola
em cima da hora. Não há vagas para estacionar. As mulheres, estressadas,
começam a parar em fila dupla, ou param os carros em lugares proibidos.
Muitos motoristas passam xingando: “Tinha de ser mulher mesmo!” Dá para
ver que muitas estão exaustas. Uma delas, mãe da melhor amiguinha do
seu filho, fala: “Feliz dia da mulher!” Você agradece. Mas tem vontade
de gritar ao ver que seu carro foi multado mais uma vez.
Chegando
em casa, filho cansado, pensa na rotina que tem pela frente. Banho no
guri, lavar uniforme, fazer jantar, lavar louça, retornar as cinco
ligações perdidas do escritório no celular. Pega o elevador e o vizinho
de cima, aquele que vive gritando palavrões para a esposa, está
simpático: “Parabéns pelo seu dia!”, deseja. Você agradece e pensa que
bom seria se chegasse em casa e pudesse ler aquele livro que ensaia há
tempos, da Simone de Beauvoir. Está cansada demais, acha que não vai dar
tempo. Quem sabe amanhã?
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*Ela tem 39 anos, é jornalista e trabalha na TV
Fonte: ESTADÃO.COM.BR – Blog: Ser mãe é padecer na internet – 08 de março de 2016 – 10h40 – Internet: clique aqui.
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