Qual a imagem tradicional que temos do político?
O sujeito astuto, esperto, loquaz, que dá nó em pingo de água, diz uma coisa e faz outra.
Apertado, garante que não mentiu. Apenas omitiu.
Qual animal associamos ao político? A raposa. Vemos o político como
alguém sinuoso, escorregadio, que negaceia, negocia, escapole, se safa.
Quase todos os partidos brasileiros se parecem e contam com raposas nos
seus quadros. O PMDB, contudo, merece destaque. Quem está no poder
sempre recebe destaque. Como classificar Michel Temer, Renan Calheiros,
Edison Lobão, Eunício Oliveira, José Sarney, Carlos Marun, Eduardo Cunha
e outros mais ou menos cotados? Raposas.
A maioria dessa lista é raposa velha, matreira, escolada, pelo liso e fofo.
O PMDB é como um parasita que se instala no corpo de alguém e no
memento certo rói o parasitado e toma-lhe o lugar. Há quantos anos o
PMDB não concorre à presidência da República? Sem ter concorrido,
portanto sem apresentar programa aos eleitores, o PMDB está promovendo
as mais radicais reformas do Brasil recente. Astuto, quando viu que o
hospedeiro Dilma estava minado, o PMDB apresentou programa, Ponte para o
Futuro, ao mercado, a possíveis aliados como o PSDB e o DEM e à mídia.
Ganhou o apoio para consumar o golpe. O projeto do PMDB tem sua
legitimidade. Poderia ser executado depois de submetido ao aval desse
ser até então incontornável chamado eleitor.
Raposão, malandro, o PMDB sabia que só um atalho lhe serviria.
O PMDB gaúcho também tem suas raposas velhas ou nem tanto. José Ivo
Sartori governa em nome de raposas mais ou menos peludas. Há novas e
talentosas raposas despontando na área. Há raposas de todos os tipos no
Brasil: honestas, desonestas, ardilosas, sofisticadas, rústicas… A
estratégia de Sartori para chegar ao poder foi pura raposice. Escondeu o
programa durante toda a campanha. Questionado, respondia com seu
mantra: “Vamos dialogar”. O programa, porém, existia: privatizar,
esquartejar o Estado, lipoaspirar o mamute. Eleito, Sartori usou a
segunda parte da raposice: deixou a crise se ampliar, hiperdimensionou o
que deu, preparou o espírito da mídia e de boa parte da população.
Depois, deu o bote. Transparência zero. O Banrisul, sempre negado pelo
PMDB, poderá ser a próxima vítima.
O PT, que se pretendia ético e transparente, fez tanta cacaca que
abriu caminho para o retorno da raposice peemedebista. A indicação do
ministro da Justiça Alexandre de Moraes para o STF exemplifica a
raposice peemedebista. Desde o começo ele foi escolhido por Temer, que
mandou espalhar o nome ultraconservador de Ives Gandra Filho. Disseminou
também que buscava um nome do agrado da presidente do STF, ministra
Carmem Lúcia. Diante da gritaria da sociedade, Carmem Lúcia aceitou o
intragável Moraes, direto do governo para o cargo de juiz do governo.
Ponto para Temer, o raposão. Os entendidos sorriem e dizem a frase que
mais amam: “Isso se chama política”.
Isso se chama política como a arte de enganar.
Se o PMDB fosse um partido sueco teria de apresentar a sua Ponte para
o Futuro ao eleitor e esperar o seu voto para aplicá-lo. Sartori teria
detalhado seu projeto privatista para aprovação ou rejeição do
eleitorado. A raposice peemedebista vai produzir seus resultados:
privatizações, reformas previdenciária e trabalhista, demissões de
funcionários, descumprimento de contratos assumidos com concursados. De
quebra, aumentará o descrédito em relação aos políticos. O PMDB não se
importa com isso. Sabe que a sua base de apoio gosta disso. As raposas
velhas coçam os bigodes e cochicham: “Política no Brasil sempre foi e
sempre será assim. Não somos e não seremos a Suécia”.
Quando José Bonifácio, o moço, morreu, em plena campanha
abolicionista, os defensores do fim da escravidão transformaram o seu
funeral num comício, um meeting como então se dizia. D. Pedro
II amarelou e não mandou representante ao velório do senador. A oposição
achava de muito mau gosto misturar política com morte de um ente
querido. Os abolicionistas pensavam o contrário. Faziam isso a cada vez,
depois do assassinato do militante Apulcro de Castro e até no funeral
da mãe de José de Patrocínio. Os escravistas sustentavam que a
preservação da lei e da ordem era mais importante e que protestos não
poderiam ferir a liberdade de ir e vir dos cidadãos de bem.
A estética política do conservadorismo é bastante seletiva. É fácil
encontrar na mídia textos de articulistas famosos relativizando os
comentários dos médicos que desejaram a morte da mulher do ex-presidente
Lula. Onde esses assuntos se encontram? Em nossa incapacidade de pesar
situações. Se os programas de Temer e de Sartori tivessem passado nas
urnas muitas das críticas a eles estariam prejudicadas. Quanto maior o
número de votos, maior a legitimação. Um dos problemas de Donald Trump é
de ter quase três milhões de votos a menos do que Hillary Clinton. O
outro problema dele é querer governar contra os freios institucionais da
democracia.
O PMDB no poder namora com essa estratégia. Formou-se um acordão para
dar sustentação a Temer até 2018. Esse acerto de bastidores envolve
Senado, Câmara de Deputados e STF. Até o rigoroso juiz Sérgio Moro
defendeu Michel Temer de uma suposta tentativa de constrangimento e
intimidação da parte de Eduardo Cunha. Em outros tempos, com outros
personagens, seria uma denúncia a investigar. Raposas não usam cachecol.
Disfarçam-se com o próprio pelo. Se uma delas diz vou, não vai, se diz
que não vai, já foi. Se correr…
A propósito, qual o coletivo de raposa?
*
O tempo
Carrego meus fantasmas
Dentro de um armário
Entalhado no peito
Eu sou o que tenho feito
Apesar do grande defeito,
De sonhar mais que o pássaro,
Que voa sem fazer cálculos.
Eu sou eu e os meus cacos
Uma caneca de louça sem asa
Uma latinha de pastilhas
Fotos de minhas filhas
Lembranças feito ilhas
De um futuro no passado,
O presente encarcerado,
Lobo depois das trilhas,
O olhar depois das chuvas.
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* Sociólogo. Escritor. Colunista do Corrieo do Povo
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2017/02/9571/a-politica-como-a-arte-de-enganar/
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