David Coimbra*
Cheguei à fronteira do famoso Vale das Sombras da
Morte, tempos atrás. Mas não entrei. É que, se você não sabe, tive um
câncer, e agora está tudo bem. Mesmo assim, não quero ficar contando
vantagem – melhor não provocar.
O que pretendo falar é sobre uma pergunta que, volta e meia, me fazem a respeito. Semana passada, inclusive, dei uma entrevista para o Julio Ribeiro e o Altair Nobre, da Revista Press, e eles questionaram exatamente isso:
– O que você aprendeu?
Dei uma resposta que julguei razoável, mas, terminada a entrevista, segui pensando.
O que aprendi?
Será que aprendi?
Passar por uma dura dificuldade sem aprender nada é desperdício de sofrimento. E burrice, convenhamos.
Vez em quando, leio acerca de pessoas que quase morreram. Elas tiveram suas vidas transformadas radicalmente, umas dizem que passaram a valorizar mais a existência, outras que passaram a valorizar mais a amizade e as pessoas que amam, outras ainda decidiram viajar e conhecer o mundo. Essas coisas.
Bem. Desde sempre valorizei a existência, os meus amigos e as pessoas que amo e, quanto a viagens, confesso que prefiro as de trabalho às de turismo. Fazer turismo é meio cansativo.
Então, não aprendi nada nessas áreas. Mas admito que me sinto melhor agora do que antes de descobrir o câncer. Logo, alguma coisa mudou.
O quê?
Aí está o estranho. Não mudei para mais, mudei para menos. Não tive nenhuma epifania, não me tornei outra pessoa, minha compreensão do mundo não aumentou. Ao contrário: em vez de somar prazeres, os diminuí. Não porque precisasse ou planejasse, simplesmente por não sentir vontade.
Talvez antes ficasse esperando sextas-feiras excitantes ou imaginasse que algum evento grandioso ocorreria no ano que vem. Talvez nem pensasse nisso claramente, mas havia em mim a expectativa de que o futuro seria especial.
Agora, não.
Mas não foram ilusões perdidas, de jeito nenhum, nem a falência de sonhos ou coisa que o valha. Ainda acredito em boas surpresas e vou comemorar se acontecerem. Ainda sou otimista. Porém, basta um dia comum para que me sinta muito bem.
Acordar de manhã, tomar café, escrever, conversar com as pessoas, comer quando estou com fome, beber uma cerveja gelada, rir com o meu filho, ver um filme, ler um livro. Isso faz com que me descubra espetacularmente feliz.
As horas vão passando e há coisas bonitas para se ver lá fora. Um gato ronronando na janela do vizinho. O sol batendo na copa das árvores. Um menino que corre atrás da bola. A moça que atira os cabelos para trás, quando se detém na esquina.
A noite chega, e está tudo certo. Digo algo engraçado e minha mulher ri. Leio um pouco na cama e o sono começa a me dominar. Fecho o livro. Apago a luz do abajur. Não penso em nada, antes de adormecer. Sei que foi um dia bom.
O que pretendo falar é sobre uma pergunta que, volta e meia, me fazem a respeito. Semana passada, inclusive, dei uma entrevista para o Julio Ribeiro e o Altair Nobre, da Revista Press, e eles questionaram exatamente isso:
– O que você aprendeu?
Dei uma resposta que julguei razoável, mas, terminada a entrevista, segui pensando.
O que aprendi?
Será que aprendi?
Passar por uma dura dificuldade sem aprender nada é desperdício de sofrimento. E burrice, convenhamos.
Vez em quando, leio acerca de pessoas que quase morreram. Elas tiveram suas vidas transformadas radicalmente, umas dizem que passaram a valorizar mais a existência, outras que passaram a valorizar mais a amizade e as pessoas que amam, outras ainda decidiram viajar e conhecer o mundo. Essas coisas.
Bem. Desde sempre valorizei a existência, os meus amigos e as pessoas que amo e, quanto a viagens, confesso que prefiro as de trabalho às de turismo. Fazer turismo é meio cansativo.
Então, não aprendi nada nessas áreas. Mas admito que me sinto melhor agora do que antes de descobrir o câncer. Logo, alguma coisa mudou.
O quê?
Aí está o estranho. Não mudei para mais, mudei para menos. Não tive nenhuma epifania, não me tornei outra pessoa, minha compreensão do mundo não aumentou. Ao contrário: em vez de somar prazeres, os diminuí. Não porque precisasse ou planejasse, simplesmente por não sentir vontade.
Talvez antes ficasse esperando sextas-feiras excitantes ou imaginasse que algum evento grandioso ocorreria no ano que vem. Talvez nem pensasse nisso claramente, mas havia em mim a expectativa de que o futuro seria especial.
Agora, não.
Mas não foram ilusões perdidas, de jeito nenhum, nem a falência de sonhos ou coisa que o valha. Ainda acredito em boas surpresas e vou comemorar se acontecerem. Ainda sou otimista. Porém, basta um dia comum para que me sinta muito bem.
Acordar de manhã, tomar café, escrever, conversar com as pessoas, comer quando estou com fome, beber uma cerveja gelada, rir com o meu filho, ver um filme, ler um livro. Isso faz com que me descubra espetacularmente feliz.
As horas vão passando e há coisas bonitas para se ver lá fora. Um gato ronronando na janela do vizinho. O sol batendo na copa das árvores. Um menino que corre atrás da bola. A moça que atira os cabelos para trás, quando se detém na esquina.
A noite chega, e está tudo certo. Digo algo engraçado e minha mulher ri. Leio um pouco na cama e o sono começa a me dominar. Fecho o livro. Apago a luz do abajur. Não penso em nada, antes de adormecer. Sei que foi um dia bom.
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* Jornalista. Cronista da ZH
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9706394.xml&template=3916.dwt&edition=30574§ion=3918 01/02/2017
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