Juremir Machado da Silva*
Caixas eletrônicos na França exibem uma frase
que faz pensar: “Não confie em estranhos. Siga as recomendações da
máquina”. Fiquei pensando nisso principalmente depois de ter lido a
tese, de cuja banca participei nesta semana em Montpellier, de Thibault
Huguet, “A sociedade conectada”, orientada por meu amigo Philippe Joron,
sociólogo e vice-presidente da Universidade Paul Valéry. Caminhamos
para a automação total. Os franceses estão mais adiantados do que os
brasileiros na substituição de trabalho humano por máquinas. A Europa já
eliminou cobradores de ônibus e outras funções assim há tempos. Caixas
de supermercado estão com os dias contados. O homem produtor perdeu a
função.
Nas ciências sociais fala-se cada vez mais em pós-humano, em
não-humano, em internet das coisas, em papel e autonomia dos objetos.
Meu velho amigo Jean Baudrillard, falecido em março de 2007, denunciava a
troca impossível entre comunicação de massa e seus públicos. Só o
emissor tinha poder de palavra. Na era das redes sociais, quando todos
podem receber e emitir, a troca se tornou, enfim, possível? Em
princípio, sim. A questão, contudo, retorna pela janela: qual a troca
possível com máquinas com as quais não se pode discutir, brigar ou
polemizar? A nova angústia do ser humano é o silêncio da máquina. De que
adianta insultá-la se ela se mantém fria, indiferente, altiva, alheia
aos nossos ataques ou ressentimentos? A vantagem da máquina sobre o
homem é que ela não tem reivindicações. Não faz greve.
Talvez seja preciso inventar em breve uma máquina capaz de reagir aos
humores do seres humanos para que a troca simbólica ressurja ao menos
como uma simulação. Máquinas fazem praticamente tudo e aceitam
reclamações. Mas não entram no jogo mais animal do homem, o jogo do
confronto, da ruptura, do blefe e da provocação. Quando elas erram, só
resta procurar o humano responsável. Só que esse ser não se esconde
atrás da parede ou do outro lado da tela. Qual será o seu destino? Qual
será o seu futuro? Para que servirá? O futuro das máquinas está
garantido. O dos homens é pura dúvida. As máquinas nos liberam das
tarefas mais enfadonhas e duras. Para quê? Para que nos tornemos
consumidores em tempo integral. É por isso que avança a ideia de um
salário universal. O homem do futuro será consumidor.
Alguns utopistas previram um tempo em que todos os homens viveriam
para lazer e arte. As máquinas já ocupam amplamente o espaço do lazer. A
arte também será feita por robôs para que tenhamos todo o nosso tempo
disponível à contemplação? Há muito que teóricos falam em pós-trabalho. O
que virá? O desemprego generalizado com todos recebendo um salário para
consumir e fruir? Ou de fato surgirão novos préstimos para os seres
humanos, esses estranhos seres criadores de máquinas? Não se trata mais
da dominação do homem pela máquina. Esse medo está superado. A questão
agora é a substituição do humano pela tecnologia. Boa parte do
imaginário do homem moderno baseia-se na suposta liberdade de dirigir
seu carro. Também isso vai acabar? O motorista não será mais do que uma
nostalgia.
A história da humanidade pode ser definida como a longa história das
guerras entre os humanos. O fracasso do homem, no pós-humano,
consistiria em não pode guerrear contra as suas máquinas? A tríade
capitalista-trabalhador-consumidor poderá ter um dos seus eixos
amputados. Todo ser humano tornou-se suspeito. Só as máquinas transmitem
confiança. Elas nada têm contra homens. Nem os conhecem. Vivem e morrem
na mais absoluta neutralidade. Não amam. Nem sofrem.
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*Jornalista. Escritor.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2017/02/9585/o-silencio-das-maquinas/ 23/02/2017
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