Luiz Felipe Pondé*
O que vem a ser o marketing do bem? O marketing do bem é, antes de tudo,
uma derivação da esquerda empacotada para o mundo corporativo. Vai bem
em palestras caras e dá aos colaboradores a impressão de que podem
fabricar armas e ainda assim salvarem o mundo investindo em árvores.
Nesse mundo de Deus e do Diabo, tudo pode, contanto que paguemos a
fatura do Visa.
Mas essa disciplina também se aplica aos comportamentos individuais. E
são esses que mais me interessam como tendência contemporânea. Já disse
outras vezes que estou seguro de que, num mundo vindouro, verão nossa
época como uma das mais irrelevantes da história, justamente porque
somos estragados pelo conforto.
O conforto como categoria (quase) universal produziu uma alienação
profunda da realidade. A riqueza em larga escala (apesar do mimimi com a
desigualdade social, que é em si um "mercado" à parte) garantiu a
existência do maior número de seres humanos mimados que já habitou a
face da Terra. O marketing do bem é a "ciência" de cabeceira desses
mimados. Quando pensam, são inteligentinhos. Quando pensam em si mesmos,
são bonzinhos. Quando se enfurecem, postam #repúdio!
A primeira marca do marketing do bem é a mentira como procedimento
argumentativo. Jamais enuncie algo que comprometa o conforto moral ou
psicológico de quem ouve você. Fazendo isso, você tem uma grande chance
de sempre ter aquele que "te segue" como seu consumidor de ideias.
Um praticante desse tipo de marketing sempre investe na ideia de que as
novas gerações são mais "evoluídas" e resolvem melhor os problemas
clássicos da vida, descritos em ideias como os sete pecados capitais
(que considero, ainda, uma das melhores formas de narrar os seres
humanos em seus momentos mais difíceis).
Dizer que os mais jovens são mais evoluídos implica um autoelogio,
porque os pais e professores desses mais jovens são, evidentemente, os
responsáveis por eles serem mais evoluídos. Ao mesmo tempo, dizer isso
garante que esses mais jovens permanecerão como consumidores do mercado
daqueles que "creem nessa evolução" política e moral.
A substância primeira da moral pública sempre foi a hipocrisia, porque a
mentira sustenta o cotidiano quase o tempo todo. É quase uma forma de
boa educação em almoço de domingo em família. O marketing do bem nega
esse fato (sabido por qualquer pessoa não mentirosa) afirmando que o bem
pode ser um produto que acompanha o cheque especial ou uma linha
especial de crédito num banco cor-de-rosa. Idosos com Face deixam o
marketing do bem com lágrimas nos olhos.
Sendo ele, o marketing do bem, uma derivação do pecado capital da
vaidade (ou orgulho, ou soberba), sua primeira intenção é obscurecer as
dimensões contraditórias da realidade, por exemplo, que 7 bilhões de
pessoas querendo ser felizes implicam, necessariamente, a
insustentabilidade desse desejo em nível de massa.
Sabe-se há muito tempo que a esquerda é um fetiche do capitalismo. A
verdade desse fato se encontra, antes de tudo, na publicidade dos bancos
e na própria adesão dos publicitários ao discurso do bem social e
político. Não se encontra qualquer contradição entre as formas mais
"avançadas" de branding e a plataforma de qualquer populismo do bem.
Negar o lucro como valor absoluto no mundo corporativo é uma das marcas
mais "avançadas" do marketing do bem.
O selo dessa forma de marketing é reconhecível a léguas de distância.
Mais recentemente, odiar Trump. Trazer flores nas mãos para
manifestações. "Acreditar" num mundo sem guerras. Apoiar tudo que tenha a
marca ONU. Afirmar-se sem preconceitos. Negar as diferenças que fazem
diferença. Propor diálogo com terroristas. Negar o conflito entre modos
de vida em lugares como a Europa Ocidental. Praticar qualquer forma de
espiritualidade redutível a "energias" e a alimentação sem glúten ou
lactose. Sonhar com um mundo matriarcal no qual não existem mães
monstruosas. Defender valores "femininos" para pessoas que não querem
ter filhos. Nas escolas, sonhar com um mundo de banheiros "livres e
iguais" –#haja saco!
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado
em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como
comportamento, religião, ciência.
Ricardo Cammarota/Editoria de arte
Fonte: ttp://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/02/1860227-idosos-com-facebook-deixam-marketing-do-bem-com-lagrimas-nos-olhos.shtml
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