sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

DONALD TRUMP, um líder mais estranho que ficção


Carlos Eduardo Lins da Silva*

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Philip Roth

 Trump apropriou-se de slogan de personagem 
de 'Complô contra a América', 
de Philip Roth. 
 
As  primeiras semanas do governo de Donald Trump nos EUA fizeram com que alguns livros antigos de ficção voltassem à moda por terem relatado situações que a muitos se assemelham às atuais.

Um deles e “Complô contra a América”, de Philip Roth, originalmente editado em 2004 ( no Brasil, em 2005, pela Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Britto).
O grande romancista sul-africano J. M. Coetzee foi um dos críticos que há 13 anos apontaram a possibilidade de Roth ter escrito “Complô” com uma analogia denunciatória da administração de George W. Bush, que terminavam seu primeiro mandato na Casa Branca naquele ano.

Roth, que se opunha vigorosamente a Bush, negou a hipótese com veemência. Disse que seu tema era realmente o período entre 1940 e 1942, quando muitos acontecimentos narrados no romance aconteceram de fato com o autor e sua família , judeus em Newark.

Na época, Roth afirmou que seu objetivo era “desfatalizar” o passado e mostrar que a perseguição aos judeus na Europa na década de 1940 poderia ter acontecido nos EUA, se alguma circunstância histórica a tivesse permitido.

No caso, tal evento poderia ter sido a eleição do aviador Charles Lindberg para a Presidência no pleito de 1940.

O Lindberg real, herói americano, extremamente popular, simpatizante do nazismo, isolacionista, flertou com tal possibilidade e foi um dos líderes da campanha para que os EUA não entrassem na Segunda Guerra Mundial.

Roth podia não estar pensando em Bush quando escreveu o “Complô”. Mas, como notou Coetzee em 2004, sempre soube que um livro quando chega ao público passa a ser propriedade de seus leitores, que modificam o seu sentido de acordo com suas preferências e desejos.

Coetzee lembra que o próprio Roth afirmara que Franz Kafka, embora não tivesse escrito seus livros como alegoria política, foi lido como se fossem na Europa Oriental no pós-Guerra e em outras sociedades submetidas a ditadura, e serviram como poderosos  instrumentos de resistência.

Em outro romance, “Pastoral Americana”(1997), um personagem de Roth até faz uso de “It Can’t Happen Here”, de Sinclair Lewis (1935), obra também em voga na era Trump, para mostrar como aquela  ficção podia ser usada nos EUA em defesa da democracia ameaçada por Richard Nixon. 

Se Roth não admitia que “Complô” fosse referencia aos anos Bush, agora ele parece mais disposto a aceitar que possa ter sido premonitório em relação aos dias atuais.

Em entrevista à revista “The New Yorker” na semana passada, no entanto, respondeu assim à pergunta sobre se o que imaginara tinha de fato acontecido: “É mais fácil compreender a eleição de um presidente imaginário Lindbergh do que a de um presidente real como Trump”.

Argumenta que, apesar de protofascista e antissemita, Lindberg tinha demonstrado grande coragem física, gênio aeronáutico e força de caráter ao cruzar pioneiramente o Atlântico em 1972, o que lhe rendeu genuína admiração da parte de milhões de compatriotas.  

Já Trump, segundo Roth, um mestre da trapaça, da fraude, e o livro de ficção que melhor o descreveria é “The Confidence Man”, de Herman Melville, em que o personagem principal engana a todos com sua amoralidade extremada e falta de escrúpulos.

As semelhanças entre os presidentes Lindberg e Trump impressionam. Trump até se apropriou do slogan principal de Lindbergh: “America First”. Os dois demonstravam admiração por ditadores europeus (Hitler e Putin).

Na ficção de Roth, a Alemanha nazista interfere no processo eleitoral americano para ajudar a eleger Lindberg, que fica exposto a chantagem; há suspeitas fortes de que a Rússia interferiu no pleito do ano passado, o que teria favorecido Trump.

Quando lhe perguntam se Trump foi além de sua imaginação, Roth responde: “Não é Trump, a pessoa, o tipo humano bisonho, o empreiteiro cruel e insensível, que é difícil imaginar, mas sim que essa pessoa seja o presidente dos EUA. Já foi difícil viver sob Nixon e Bush. Mas, por piores que estes fossem, nenhum deles era tão humanamente pobre como Trump”.
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Carlos Eduardo Lins da Silva é livre-docente e doutor pela USP, mestre pela Michigan State University e editor da revista “Política Externa”.
Fonte: Valor Econômico impresso, Cad. EU& FIM DE SEMANA,  10/02.2017.

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