O Papa Francisco escreveu o prefácio do livro Eu o perdoo, padre,
do suíço Daniel Pittet, no qual ele relata os abusos sexuais que sofreu
na infância por um padre pedófilo e todos o drama e traumas que o crime
continuado lhe causou. Francisco escreveu é dever da Igreja tratar
estes casos com “extrema severidade” e indicou, ainda que indiretamente
que o clericalismo está na raiz da rede de proteção que se prolongou por
décadas aos abusadores, desde as primeiras denúncias nos anos 1970.
No texto, o Papa fez menção à necessidade de punição aos bispos e
cardeais que protegeram e acobertaram os abusadores e ao ” muro de
silêncio que sufocava escândalos e sofrimento”. O espírito
clerical/conservador, que advoga uma “pureza” e “santidade” absolutas da
Igreja, teceu ao longo dos anos uma rede de proteção, cumplicidade e
acobertamento dos padres e religiosos abusadores. Na semana passada, um
advogado declarou à Real Comissão que está à frente das investigações
dos casos de abusos na Austrália, que o próprio Papa João Paulo II
recebeu relatórios sobre casos de abusos e nada fez para investigar e
punir os culpados (veja aqui)
bispos ou cardeais, que os tenha protegido, como já aconteceu no passado.
O Papa escreveu ainda que os padres abusadores cometeram atos de
“monstruosidade absoluta” e questionou: “Como pode um sacerdote a
serviço de Cristo e de sua Igreja causar tanto mal? Como pode alguém ter
dedicado sua vida para levar as crianças a Deus, e ao final, devorá-las
no que chamei de “um sacrifício diabólico”, que destrói tanto a vítima
quanto a vida da Igreja?” Em seguida, Francisco mencionou os casos de
suicídio de crianças e jovens que se seguiram aos abusos.
[Mauro Lopes com Vatican Insider]
Leia o texto integral do prefácio do Papa Francisco (em tradução livre de minha responsabilidade):
Para qualquer pessoa que tenha sido vítima de um pederasta é difícil
dizer o que sofreu, descrever os traumas que ainda persistem distância
de anos. Por esta razão, o testemunho de Daniel Pittet é necessário,
precioso e corajoso.
Conheci Daniel no Vaticano em 2015, no Ano da Vida Consagrada. Eu
queria difundir em grande escala o livro intitulado “O amor é dar tudo”,
que reuniu testemunhos de religiosos, religiosas, sacerdotes e
consagrados. Não poderia imaginar que este homem entusiasmado e
apaixonado por Cristo houvesse sido vítima de abuso por um padre. No
entanto, foi isso o que ele me disse e seu o sofrimento muito me afetou.
Presenciei mais uma vez mais o dano terrível causado pelo abuso sexual
e o longo e doloroso caminho que aguarda as vítimas.
Estou feliz que outras pessoas possam ler seu testemunho hoje e
descobrir como o mal pode entrar no coração de um servo da Igreja.
Como pode um sacerdote a serviço de Cristo e de sua Igreja causar
tanto mal? Como pode alguém ter dedicado sua vida para levar as crianças
a Deus, e ao final, devorá-las no que chamei de “um sacrifício
diabólico”, que destrói tanto a vítima quanto a vida da Igreja? Algumas
vítimas chegaram a cometer suicídio. Estes mortos pesam em meu coração,
em minha consciência e de toda a Igreja. Para suas famílias ofereço meus
sentimentos de amor e dor, e humildemente, peço perdão.
Esta é uma monstruosidade absoluta um terrível pecado,
radicalmente contra tudo o que Cristo nos ensina. Jesus usa palavras
muito duras contra todos os que prejudicam as crianças: “Mas, se alguém
escandalizar um desses pequeninos que creem em mim, seria melhor para
ele que tivesse amarrado no pescoço uma pedra de amolar, e se lançasse
ao fundo do mar “(Mt 18,6).
Nossa Igreja, como recordei na Carta Apostólica Como uma mãe amorosa,
de 04 de junho de 2016, deve cuidar e proteger com particular afeto os
mais fracos e indefesos. Temos afirmado que é nosso dever dar provas de
extrema severidade aos padres que traem a sua missão, e a hierarquia,
bispos ou cardeais, que os tenha protegido, como já aconteceu no
passado.
Na desgraça, Daniel Pittet também pode encontrar uma outra face da
Igreja, e isso permitiu-lhe não perder a esperança nos homens nem em
Deus. Ele também nos conta do poder da oração, que nunca abandonou, e
confortou-o nas horas mais sombrias.
Ele decidiu encontrar seu agressor quarenta anos depois, e olhar nos
olhos do homem que o feriu no fundo da alma. E ele estendeu a mão. O
menino ferido é agora um homem de pé, frágil, porém de pé.
Surpreendem-me muito suas palavras: “Muitas pessoas não conseguem
entender que eu não o odeie. Eu o perdoei e eu construí minha vida sobre
este perdão. ”
Agradeço a Daniel poque testemunhos como o seu derrubam o muro de
silêncio que sufocava escândalos e sofrimento, lançam luz sobre uma zona
de sombra terrível na vida da Igreja. Abrem caminho para uma reparação
justa e à graça da reconciliação, e também ajudam os pedófilos a tomar
consciência das terríveis consequências de suas ações.
Rezo por Daniel e por todos aqueles que, como ele, foram feridos em
sua inocência, que Deus volte a levantá-los e os cure, e que dê a todos
nós seu perdão e sua misericórdia.
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Por Mauro Lopes.
Fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/02/13/papa-prefacio-para-livro-de-um-homem-abusado-na-infancia/
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