Aurora Bernardini*
'Parque Cultural', livro de Sergei Dovlátov, é lançado no Brasil pela editora Kalinka
Livro foi editado pela Kalinka e é
representativo da obra do autor que se radicou nos Estados Unidos após
sofrer perseguição na União Soviética
Serguei Dovlátov (1941-1990) é um nome importante não apenas
na literatura russa de hoje, mas também na dos EUA, para onde emigrou
(1978) e se tornou famoso como fundador do jornal O Novo Americano. Foi reconhecido por prestigiosas revistas (The New Yorker e Partisan Review), lançou 12 livros e lhe foi dedicada uma rua (Sergei Dovlátov Way, no Queens).
Já o parque que lhe foi dedicado na Rússia, quando se tornou um
autor icônico, tem a ver com esta curiosa novela, uma das mais
comicamente ferinas que se possa ler na literatura atual. Acontece que
na Rússia de Puchkin (1799-1837) havia uma propriedade onde o grande
poeta costumava passar suas férias (e exílio), que na época da URSS foi
transformada em parque cultural e monumento histórico. Um parque, aliás,
onde foi recriado o ambiente da época do poeta nacional, retocado
(leia-se “fajutado”), aberto à visitação pública, e onde Dovlátov
trabalhou como guia turístico pouco antes de emigrar, parque esse que
para Borís Alikhánov (seu alter ego, na novela) é uma alegoria da
própria vida na URSS. Mas descrita com tanto humor (cáustico) pelo
protagonista e narrador Alikhánov, que se autoironiza (como o Humbert
Humbert de Lolita, ou o nosso Serafim Ponte Grande) dizendo,
com a sua inconveniência politicamente incorreta, disparates que muitos
“pensam, mas não dizem”, entremeados por generalizações comuns ao mundo
inteiro (liberdade, amor, morte, impostura, vícios: em especial, sexo e
bebida), expressas com uma hilariante ingenuidade nonsense que conquista
a simpatia do leitor a cada página.
Como muitos artistas, o autor recria nas obras, publicadas após
sua emigração (exceto alguns contos em samizdat, cópias clandestinas que
foram bem recebidas, apesar de desconstruírem o mito soviético), fatos e
figuras das etapas de sua vida real. Seu malogro na literatura oficial
foi, inicialmente, ele ter passado a constar, em 1968, de uma “lista
negra” (do “Sarau da juventude criativa de Leningrado”) – coisa que ele
só descobriu mais tarde: “Na União Soviética eu não era dissidente. (A
bebedeira não conta.) Eu apenas escrevia contos alheios à ideologia.
Publicam qualquer um, menos eu. As pessoas vendem a alma ao diabo, eu a
dei de graça...”
Sua infância/juventude/maturidade aparecem nos contos Os Nossos (1977), que retrata a família e os amigos; A Mala (1986), o resumo de toda sua vida na URSS; O Ofício (1985), sobre sua “carreira”; A Troca (1981), período de 5 anos em que trabalhou em Tallin como jornalista; A Zona (1982), seu serviço militar como membro da “tropa da prisão”; A Estrangeira (1986), sobre a emigrada Mússia Tataróvith; A Filial (1990) etc.
O eixo de Parque Cultural (1983) é a separação da mulher
do narrador (Tânia, na novela) que emigra com a filha para os EUA (o
pai do ex-marido é judeu) bem no momento em que, apesar da bebedeira e
de uma série de quiproquós com figuras impagáveis (os turistas, que às
vezes desmaiavam de tensão; a metodologista, de corpo indistintamente
feio; o guia preguiçoso), Alikhánov achava ter conseguido uma certa
harmonia. “Decidi ponderar tudo com calma. Tentar dissipar a sensação de
catástrofe, de beco sem saída.
A vida se desenrolava como imenso campo minado. E eu estava bem
no meio dele. Era necessário dividir este campo em setores e pôr mãos à
obra”. Mas os fatos não o permitem, ele cai em depressão, volta ao vício
e vê-se acossado pela censura que sempre, nos momentos culminantes de
sua tão desejada carreira literária, reúne indícios para não publicá-lo.
Estamos na véspera das Olimpíadas de 1980, época em que se procurava
fazer com que os “indesejáveis” saíssem do país e – de fato –, na vida
real, apesar de não querê-lo (“é possível sobreviver e continuar
escrevendo longe de seu leitor e de sua língua?”), Dovlátov, com a mãe e
a cachorra de estimação, acaba deixando o país, rumo aos EUA, onde,
como previra seu amigo Joseph Brodsky que o admirava, terá sucesso de
crítica e de público.
Quando o escritor morreu, em 1990 (de uma parada cardíaca,
consequência da bebida que nunca abandonou), a Rússia lançou
oficialmente sua primeira coletânea de contos. O sucesso foi estrondoso.
Sua obra completa foi publicada em três volumes (1995), saíram
pesquisas, biografias, memórias, filmes, congressos, documentários sobre
ele e sua obra. A casa alugada pelo escritor perto do Parque Cultural,
que se encontra na aldeia que no livro aparece com o nome de Sosnovo,
tornou-se sede de um museu, num parque que hoje leva seu nome.
*Aurora Bernardini é professora de literatura russa na USP
Sergei Dovlátov
Tradução de Yulia Mikaelyan
Editora Kalinka
169 pág.
R$ 45
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Fonte: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,parque-cultural-do-escritor-russo-sergei-dovlatov-e-lancado-no-brasil,70001652144
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