Rodrigo Constantino*
Se me pedirem os dez pensadores que mais
influenciaram minha formação intelectual, três deles certamente serão
Ludwig von Mises, Hayek e Nassim Taleb. Li vários livros deles, e
absorvi seus principais conceitos, que carrego até hoje. Quando Martim
Vasques da Cunha, autor de A Poeira da Glória, usa suas habilidades para unir num ensaio
o básico de cada um deles, especialmente sobre a fundamental questão da
incerteza, só posso aplaudir o esforço e divulgar o resultado. É
realmente de tirar o chapéu.
O leitor que conhece pouco tais autores terá uma excelente introdução no texto de Martim, que foi publicado na revista Mises,
do IMB. Lá estão explicados, com incrível poder de síntese, os
conceitos do “cisne negro”, do “antifrágil”, como devemos encarar a
incerteza do ponto de vista filosófico, o que é o mundo das médias
normais (Mediocristão) e o mundo dos extremos imprevisíveis
(Extremistão), e por aí vai.
Martim pega os quatro livros de Taleb e
faz um belo resumo, juntando com a biografia pessoal do libanês nascido
em tempos de guerra, que serve para ilustrar sua visão de mundo. Depois,
utiliza a “praxeologia” de Mises e a “ordem espontânea” de Hayek para
misturar tudo, bater no liquidificador e entregar o produto final ao
leitor, que poderá mastigá-lo sem dificuldade, e finalmente digeri-lo.
Assim mesmo: rico conhecimento de mão beijada!
Espero que meus leitores aproveitem essa
sexta-feira para um passeio intelectual de alto nível. Como já disse,
esses três gigantes influenciaram bastante a minha própria visão de
mundo. Martim defende a importância de ser um “flaneur” com base nesses
conceitos descritos acima. Num trecho do ensaio ele explica melhor:
Neste
ponto, é de se ressaltar que, mesmo defendendo a ciência como um método
empírico de correção dos fatos, Taleb emprega muito mais outro tipo de
método, retirado não dos laboratórios experimentais ou dos gráficos de
estatística, e sim da literatura e da filosofia antigas. É um modo de
ver as coisas que ele autodenomina como “epistemocracia” e que tem,
entre seus cidadãos ilustres, além do próprio Taleb (é claro), pessoas
do calibre como o filósofo estoico Sêneca ou então o pensador francês
humanista Michel de Montaigne (1533-1592). Na verdade, o seu método é o
do ensaísta – melhor dizendo, o do flaneur, do homem que
caminha pelas ruas de uma cidade ou de um vilarejo sem meta definida,
aberto ao que o acaso pode lhe dar, naquele estado de maravilhamento que
o poeta espanhol Antonio Machado descreveu com perfeição nos seguintes
versos: “Caminante, no hay caminho/, se hace camino al andar” (Caminhante, não há caminho,/ faz-se caminho ao andar).
A atitude de flaneur
é a ideal para descrever o que Taleb pretende com sua obra. As suas
digressões não são aleatórias; a criação de personagens, como Fat Tony
(um sujeito que repassa a quem quiser a sabedoria de ter sido
“AntiFrágil” desde o nascimento) ou Yevgenia Krasnova (uma escritora
russa que conseguiu ser um Black Swan em um dos
mercados mais difíceis para isso acontecer, o editorial), deixam de ser
ilustrações das suas teorias sofisticadas e passam a ser estudos de caso
retirados da própria experiência do autor; e o uso elaborado de uma
linguagem literária, repleta de metáforas, trocadilhos e ditos
populares, provam que há um impulso orgânico de acrescentar algo
empírico e concreto a uma especulação que, se não for bem controlada,
pode cair na mais perigosa das abstrações.
Por isso, ser um flaneur,
para Taleb, não é um mero capricho, mas um meio de vida que protege a
sua integridade intelectual. De certa forma, caminhar sem rumo definido é
o melhor exercício que se pode fazer, tanto no aspecto físico como
mental, para ajudar as pessoas a viverem em um mundo onde parece surgir
um Black Swan a cada canto e sem nenhum aviso.
Como alguém que, assim como Taleb,
trabalhou no mercado financeiro por muitos anos, posso assegurar que a
visão de risco e incerteza da maioria dos gestores é equivocada. Modelos
matemáticos complexos, econometria e muita estatística que acumula tudo
sobre o passado, mas pode ser cega quanto ao futuro. A curva normal
serve para o mundo Mediocristão, jamais para o Extremistão (falo um
pouco mais sobre isso no meu novo curso de finanças). É como dirigir numa estrada olhando apenas para o retrovisor.
Mas nesse mundo de grandes incertezas,
que modelo algum consegue antecipar, não precisamos cair em desespero. O
próprio Taleb não é um pessimista. Se estivermos adaptados para essa
realidade como ela é, podemos tirar proveito dessa condição, ou ao menos
aceitar melhor as contingências do destino. Martim conclui:
Eis aqui a importância de ser um flaneur: mostrar para si mesmo que, como diria Hamlet, “estar pronto é tudo” (the readiness is all)
– e assim a “AntiFragilidade” de Taleb se mostra como um método de
sabedoria tradicional que dá os instrumentos necessários para o homem
recuperar a sua liberdade interior num mundo onde os Black Swans
podem (ou não) destruí-la em um piscar de olhos. Esta é a sua
originalidade para a sociedade em que vivemos. Num ambiente onde não há
mais estadistas, artistas responsáveis, sacerdotes virtuosos e
empreendedores que assumem o risco, o flaneur, o caminhante, o
andarilho, o peregrino se torna uma espécie de Quarto Poder, acima do
Estado, da Igreja e do próprio Povo, conforme a boa lembrança de Henry
David Thoreau (1817-1862), capaz de vigiar por todos e reafirmar o
fundamento da liberdade de acordo com a defesa intransigente da
incerteza como “a mãe de todas as disciplinas”.
Todos nós
somos cisnes negros, impossíveis de sermos classificados – esta é a
grande lição de Nassim Nicholas Taleb para os nossos dias. Mas, ainda
assim, temos de ver essa afirmação com muita cautela, como sempre
acontece ao abordar a obra desse pensador, ainda em progresso e ainda em
formação. Pois, já dizia o técnico de beisebol Yogi Berra (1925-2015),
um de seus mestres, “it ain´t over until it´s over” – neste mundo, só acaba quando termina.
E ainda não terminou. Eis o fascínio da vida!
----------------------
* Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.
Fonte: http://rodrigoconstantino.com/artigos/o-conceito-de-incerteza-e-importancia-de-ser-um-flaneur-unindo-nassim-taleb-mises-e-hayek/?utm_medium=feed&utm_source=feedpress.me&utm_campaign=Feed%3A+rconstantino
Nenhum comentário:
Postar um comentário