Lya Luft*
No curso da vida, a gente faz umas descobertas engraçadas sobre si mesmo
Somos,
entre tantas coisas – animais predadores, meio obtusos, às vezes
gloriosos –, uns eternos buscadores. Deve ser uma das molas de nossa
vida, mais até do que sexo e poder. Essa busca meio indeterminada que
nos faz sair da cama, tomar café, ver notícias no jornal e na TV (porque
nos julgamos de ferro), ir para o trabalho ou a escola ou simplesmente
ficar em casa. Buscamos eternamente, eu sei, essa estranhíssima coisa
chamada felicidade: tão diferente em diferentes fases e até diversos
lugares.
Menina, felicidade era segurança
amorosa: os pais ali perto, o irmãozinho, as funcionárias que cuidavam
de nós, o jardineiro conversando com plantas, a chuva na vidraça, o
vento nas árvores, a lareira ou a perspectiva da praia, um dia de
feriado para não ter de ir à escola (não, não fui boa aluna...).
Sobretudo, estar ali em nossa casa, no meu quarto, a cama embutida em
prateleiras cheias dos meus melhores amigos. Décadas depois, alguém me
contou que ao visitar meu pai, em seu escritório em casa, e admirar as
prateleiras de livros forrando as paredes, meu pai fez um gesto simples e
disse: "Esses são os meus amigos".
Sem muito programar, que sou mais de impulsos, comecei a aprender a arte de recusar.
No
curso da vida, a gente faz umas descobertas engraçadas sobre si mesmo,
como certa vez quando, falando com jornalistas antes de uma palestra em
São Paulo, um deles, muito jovem, disparou a pergunta que nunca tinham
me feito: "Qual é o seu sonho de consumo?". Parei, sorri, surpreendida, e
sem precisar pensar respondi: "Meu sonho de consumo? Ficar quieta". Era
uma longa fase de muitas viagens para palestras e lançamentos. Era bom
curtir o afeto dos leitores, era bom promover um livro.
No
avião, voltando para casa, fui monologando coisas como: "Ora, se eu
quero mesmo ficar mais quieta, por que não faço isso? Por que não
diminuo esse giro de viagens e encontros e não curto mais o sossego que
me falta?". Sem muito programar, que sou mais de impulsos, comecei a
aprender a arte de recusar – nada fácil. Os convites mais simpáticos
(quase todos são assim) tiveram de ser reduzidos, e como fazer essa
seleção? Sempre havia uma razão verdadeira: estar preparando um novo
livro, atender alguma coisa na família ou simplesmente estar cansada. "E
se um dia não te convidarem para mais nada?". Bom, aí eu também não vou
gostar nada! O jeito é dosar.
Fiquei bem mais
feliz assim. Certa vez, perguntaram para minha filha onde seria mais
fácil encontrar a mãe, e ela respondeu: "Em casa". Há quem estranhe:
"Você quase não tem vida social, não frequenta os mais novos
restaurantes, nem clubes, nem grupos...". Nada contra, mas para mim foi
uma conquista. Uma obediência ao meu mais antigo e honrado desejo.
Quando estou nessa falsa vagabundagem lírica, talvez de livro na mão até
sem ler nem pensar nada especial, é que as coisas "se fazem" dentro de
mim: futuros personagens, tramas, poemas, ou só encantamentos fugazes.
Pode ser que nesta fase da vida eu mereça estar assim, com família,
amigos, cachorrinhas, paisagem linda, o refúgio na Serra, música,
livros, e tantos ótimos programas que – apesar dos protestos – a boa
televisão oferece: agora, um concerto de Mozart para piano, tocado na TV
por um Barenboim jovem.
(E ainda por cima, neste momento, começa a chover mansinho.)
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* Escritora
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/lya-luft/noticia/2017/09/a-felicidade-de-cada-um-cj86l43i700i301pdn7996ju1.html
Imagem da Internet
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* Escritora
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