Lya Luft*
Talvez a gente esteja precisando olhar no espelho ou para dentro de nós mesmos
Quando alguém menos informado se punha a falar, a discorrer e, se possível, doutrinar para os pobres presentes, às vezes, meu pai – discretamente ou depois do ocorrido – comentava: “Uma das piores coisas numa reunião é o burro entusiástico falante. Aquele que não entende direito, mas se acha doutor no assunto”.
“Somos
muitos”, bradava o diabo que tinha possuído um pobre sujeito, depois
libertado por Cristo, segundo os Evangelhos. Pois atualmente parece que
nos multiplicamos, nunca vi tanta gente entendendo de arte, ética,
moralidade (não falo em moralismo, que detesto), política, economia e o
resto que anda nos atormentando.
Existirá
mesmo um conceito universalmente adotado ou adotável de arte? Ou dezenas
deles por este mundo conforme a cultura, as crenças, as filosofias e o
conhecimento ou arrogância?
No fundo mais
fundo, confesso que não me interessa muito, estou cada vez mais
individualista. Me perdoem os politicamente corretos, mas sempre
detestei o politicamente correto, que acho falso, hipócrita, pobre e
dispensável. Prefiro a vida, a coisa vital, espontânea, viva, até para
admitir que não sabemos muito, e que é melhor não opinar (ou zurrar).
As
mais loucas opiniões sobre arte vêm sendo expressas, igualmente as mais
confusas noções de censura, por exemplo. Se havia conceitos gerais
sobre ela, foram sendo desfeitos nas últimas décadas, e também isso não
vou comentar: cabe aos filósofos e teóricos do assunto. Não me atrevo a
dar mais um pio sobre o assunto de certa exposição ou exposições que
levantaram grande alarido pelo país inteiro (estou apenas rodeando a
Coisa), até porque me considero dos que pouquíssimo sabem. Dos que
aproveitam esta fase mais calma da vida para aprender mais e melhor, eu
que nunca fui boa aluna, embora as escolas que frequentei hoje afirmem o
contrário: mil assuntos a recuperar antes do último suspiro.
Estamos
falando demais, escrevendo demais, berrando demais, acusando demais,
nos achando, demasiadamente, o máximo. Outro dia, relendo uma biografia
da atriz Katharine Hepburn, a quem muito admirei e admiro, encontrei a
deliciosa passagem em que, no seu primeiro encontro com Spencer Tracy,
grande ator que seria seu parceiro em muitos filmes e na vida, ela lhe
disse: “Mr. Tracy, lamento, mas acho que sou um pouco alta para você”. E
ele, curto e simples, respondeu: “Não se preocupe, Miss Hepburn, eu vou
reduzi-la ao tamanho exato”.
Talvez a gente
esteja precisando olhar no espelho, ou para dentro de nós mesmos, e ver
se nosso tamanho não está inadequado para outra pessoa, outras pessoas,
ou as realidades deste momento conflitado e confuso. Do qual, esperemos,
há de surgir alguma luz, uma paisagem com menos burros zurrando
alegremente seus discutíveis conceitos. A vida já está difícil sem isso.
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* Escritora
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/lya-luft/noticia/2017/10/o-burro-falante-cj8nfidul021501mqk76xz715.html
Imagem da internet
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* Escritora
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/lya-luft/noticia/2017/10/o-burro-falante-cj8nfidul021501mqk76xz715.html
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