De chefs 3D a terapeutas de plantas. De operadores
de drones a gestores de morte digital. Ninguém sabe exatamente quando
estas novas profissões vão chegar ou em que moldes, apenas que se perde a
ideia de um emprego para a vida. E sim, os especialistas na matéria são
unânimes neste ponto: o mercado laboral como sempre o conhecemos já
era.
GESTORES DE AVATARES DE RELACIONAMENTO
TRANSFORMADORES DE TRÁFEGO
Duarte Vasconcelos é piloto de linha aérea. Cismava com alguns dos instrumentos de voo, mas parecia‑lhe coisa do outro mundo criar os seus, por muitas ideias que tivesse na cabeça. Como? Com que meios? Por que carga de água perdia sequer tempo a pensar nisso? E então descobriu a impressão 3D.
Comprou uma impressora e um workshop especializado – dado por Alexandre Guerreiro, que hoje desenha as máquinas da empresa de ambos. Em janeiro de 2015, fundavam juntos a Blocks Technology, «a porta de entrada que vem democratizar a impressão 3D no tamanho e no preço», diz o empreendedor. Tiago Rocha é o terceiro elemento em full-time da Blocks, responsável pelo software das impressoras produzidas de raiz nas instalações em Benfica, Lisboa.
«Já se imprimiu rins de substituição, fígados, pele, bexigas, ossos, dentes, narizes e orelhas recorrendo à impressão 3D», diz Thomas Frey, do DaVinci Institute.E foi uma boa aposta a destes jovens, garante à Notícias Magazine o futurista sénior Thomas Frey, fundador do think tank DaVinci Institute, no Colorado, EUA. As suas previsões apontam para que a área da tridimensionalidade – incluindo chefs e designers de moda 3D, especialistas em materiais e até agentes de órgãos humanos – seja uma das que terão mais saída profissional até 2030.
«Já se imprimiu rins de substituição, fígados, pele, bexigas, ossos, dentes, narizes e orelhas recorrendo à impressão 3D. Há cinco anos esta lista não era tão extensa como agora, e continua a crescer regularmente», diz o pensador norte-americano.
Quem pensa que está tudo inventado engana-se. 65 por cento das crianças que hoje entram na escola primária irão ter trabalhos que ainda não existem.Alexandre Guerreiro não se surpreende com o rumo que as coisas estão a tomar: o que ele vê com as Blocks é que, primeiro, as pessoas estranham as máquinas, depois não sabem viver sem elas.
«Há dois anos lançámos a Blocks One, de nível intermédio. Acima dessa temos a Custom, superprofissional, à medida do cliente. E a Blocks Zero é tão pequena como uma máquina de café, própria para ter em casa e fazer desde porta-chaves a peças de engenharia e arquitetura», acrescenta Duarte Vasconcelos, rendido ao potencial da impressão 3D.
Ele próprio faz peças para a sua câmara digital. No dia em que furou um pneu, imprimiu uma ferramenta de que precisava e trocou‑o. «Desde que vi miúdos de 10 anos a usar software de modelação profissional como gente grande, não me admira que o futuro do trabalho passe por aqui.»
Passará. Para o pensador Thomas Frey, a questão não é se vai acontecer, a questão é como e quando vai acontecer. «Ao ritmo que levamos, creio estarmos à beira de transitar das próteses funcionais para a bioimpressão de órgãos e partes vivas do corpo, no sentido de se curar uma série de condições médicas», diz, prevendo a existência de empregos nesta área concreta, além de outros relacionados: engenheiros e designers de modificação genética, gestores do ciclo de vida, analistas de qualificação atlética, especialistas em ética de modificação corporal. Supõe que com mais tempo será possível imprimir‑se um corpo completo (o tipo de façanha que, nos filmes de ficção científica, dá pano para mangas). Ou um cérebro humano pronto a encaixar e ligar – quem pode saber?
O FUTURO ESTÁ A SER INVENTADO AGORA
Uma coisa é certa: um relatório, de 2016, do Fórum Económico Mundial, antecipa que mais de cinco milhões de postos de trabalho acabem até 2020. A Sparks and Honey, consultora organizacional norte‑americana, enumera entretanto algumas profissões que considera promissoras: operador de drones, curador digital, consultor de privacidade, coach de Skype, especuladores de moeda digital (como a bitcoin), especialistas em plataformas online de crowdfunding (para financiamento colaborativo de projetos), disruptor corporativo (que ensina as empresas a adotar ambientes flexíveis), gestores de morte digital (responsáveis por gerir a pegada online de utilizadores falecidos).Mas há mais: 65 por cento das crianças que hoje entram na escola primária irão ter trabalhos que não existem no presente. Jovens a sair agora do secundário terão uma média de dez a quinze empregos na vida.
É essencial que o ensino se adapte para ensiná‑los a serem os pensadores e os empreendedores do futuro, avisam as especialistas em educação Roberta Michnick Golinkoff e Kathy Hirsh‑PasekÉ essencial que o ensino se adapte para ensiná‑los a serem os pensadores e os empreendedores do futuro, avisam as especialistas em educação Roberta Michnick Golinkoff e Kathy Hirsh‑Pasek, autoras de Becoming Brilliant – What Science Tells Us about Raising Successful Children (algo como Ser Brilhante – O Que Nos Diz a Ciência sobre Educar Crianças de Sucesso, ainda sem tradução portuguesa).
«Mais importante do que memorizar é saberem comunicar, colaborar, apreender conteúdos. Terem pensamento crítico, inovação criativa, confiança para arriscar. Então, sim, estarão prontas para os desafios laborais», dizem no seu livro.
«Muitas das profissões que hoje achamos lucrativas e promissoras, como a programação informática, serão reduzidas substancialmente à medida que a inteligência artificial permitir resolver os problemas.» Por outro lado, crê, áreas desprezadas como o jornalismo ou a comunicação terão muita procura, por estarem ligadas a atividades criativas e já a evoluir noutras direções.
Também Filipa Leite de Castro, responsável da consultora Jason Associates pelo recrutamento de executivos, defende que qualquer padrão para o futuro terá que ver com criatividade e atualização.
«Os jovens já não fazem só um curso: vão fazendo formações, atalhando por outros caminhos.» Da mesma forma, não querem um emprego para a vida – nada de cristalizar em direito ou finanças –, como não sonham trabalhar em grandes empresas.
«Se antes a dimensão e a faturação bastavam para atrair talento, as novas gerações preferem uma empresa com que se identifiquem.» Têm menos uma lealdade com o empregador e mais um sentido de missão com o seu propósito de vida pessoal.«Se antes a dimensão e a faturação bastavam para atrair talento, as novas gerações preferem uma empresa com que se identifiquem.» Têm menos uma lealdade com o empregador e mais um sentido de missão com o seu propósito de vida pessoal, observa a consultora. Veem ainda na profissão algo que lhes permita associar trabalho e lazer, como na Google.
António Câmara concorda que este foco no que entendem ser melhor para si influencia o redesenhar do mercado laboral: «Receiam ter pouca liberdade, que os moldes de emprego atuais não os desafiem. Então preferem fazer as suas startups e talvez vendê‑las para passarem a outra coisa», diz, sublinhando a importância de se ter um conhecimento distintivo neste ponto.
«Em Harvard, por exemplo, têm todos de ler o ensaio Self-Reliance (Autoconfiança) do filósofo Ralph Waldo Emerson.» Basicamente, exorta a ignorar as críticas dos outros e a seguir em frente – a tal inteligência do ensino de que falavam as cientistas educacionais Roberta Michnick Golinkoff e Kathy Hirsh‑Pasek.
«Quando terminámos o curso no Técnico de Lisboa em 2010, de Engenharia de Telecomunicações e Informática, quisemos parar um ano para ter uma ideia nossa. Chamaram‑nos de loucos para cima», conta Cristina Fonseca.Assim fizeram Cristina Fonseca e Tiago Paiva, os mentores da startup que ambos fundaram em 2011 e vale hoje 500 milhões de euros: a Talkdesk, capaz de criar um call center na internet em cinco minutos, por qualquer empresa.
«Quando terminámos o curso no Técnico de Lisboa em 2010, de Engenharia de Telecomunicações e Informática, quisemos parar um ano para ter uma ideia nossa. Chamaram‑nos de loucos para cima», conta Cristina, entretanto a figurar com Tiago numa lista da Forbes com as trinta pessoas de menos de 30 anos a destacar‑se no mundo em diferentes áreas. «Os nossos pais, professores e amigos julgavam‑nos um caso perdido. Não entendiam como é que num curso com cem por cento de empregabilidade estávamos ali nós os dois, a marinar.»
«Fomos contactados por empresas de topo e recusámos. Cheguei a conhecer o Zeinal Bava em processo de entrevistas para a Portugal Telecom, disseram‑me para escolher a vaga que quisesse e respondi que não. Ao Tiago, que trabalhava na Procter & Gamble, ofereceram‑lhe um lugar nos quadros e ele rejeitou.»
Tudo em nome de um sonho que se mostrou vencedor, empregando perto de trezentas pessoas e com escritórios em Portugal e Silicon Valley, EUA. «O importante é ter criatividade, soft skills, gosto no que escolhemos. E depois sermos bons nisso.»
«Num mercado de trabalho global e cada vez mais competitivo, apenas os melhores vingarão na triagem natural», diz Vasco Salgueiro, da Michael Page – reputada consultora de recrutamento a nível internacional.Outros trunfos que convém ter na manga são inteligência emocional e saber falar línguas, duas competências a estimular desde cedo em casa e na escola. «Num mercado de trabalho global e cada vez mais competitivo, apenas os melhores vingarão na triagem natural», justifica Vasco Salgueiro, senior manager da Michael Page – uma das mais reputadas consultoras de recrutamento a nível internacional.
Estudos indicam que um profissional que comece numa área financeira pode transitar para uma de marketing ou desenvolvimento de negócio. «Os próprios empregadores vão estar abertos a esta versatilidade, já que os projetos terão uma duração mais limitada (de três a cinco anos) e é desejável um melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.»
OS HUMANOS CONTINUAM A SER INDISPENSÁVEIS
Se é caso para preocupações? Sem dúvida, responde‑nos por sua vez o cientista cognitivo Don Norman, fundador e diretor do Design Lab na Universidade da Califórnia – um espaço multidisciplinar centrado na interação das pessoas com a tecnologia.«Qualquer mudança traz as suas vantagens, mas também complica a vida a muita gente. Sendo que neste caso falamos de uma série de profissões que vão desaparecer, ao passo que as emergentes irão exigir dos trabalhadores capacidades e conhecimentos muito diferentes daquilo que pediam as antigas.» Em suma: quem perder o emprego pode ver‑se bastante aflito para encontrar um novo.
«Teremos cada vez mais impressoras 3D baratas, ferramentas que nos permitem aprender sobre novos assuntos e educarmo‑nos online. Isso irá dotar‑nos rapidamente de novos potenciais», diz Don Norman. No fundo, é um contraponto ao futurismo quando a simples ideia de virmos a ter hackers éticos, terapeutas de desintoxicação tecnológica, telecirurgiões ou guardiões de privacidade mete num chinelo o Inteligência Artificial, de Steven Spielberg.
«O mercado de trabalho nas tecnologias de informação tem quase cem por cento de empregabilidade à saída das faculdades. Ainda assim, a tecnologia nunca substituirá as competências humanas», ressalva o consultor Vasco Salgueiro.
O futurista Thomas Frey anuncia algumas profissões que surgirão com o envelhecimento ativo da população: designers de alojamento e de memoriais, provedores de serviços para octogenários, auxiliares para cada etapa da vida, administradores de heranças.Filipa Leite de Castro, da Jason Associates, concorda: por mais espetacular que seja a otimizar competências, não há – nunca haverá – nada que se compare ao ser humano. «Posso receber belas massagens numa cadeira com moedas, mas não é o mesmo que ser tocada por mãos», argumenta a especialista em recrutamento. E tratando‑se das áreas da hotelaria e da saúde, duas tendências laborais incontornáveis, será bem‑sucedido quem valorizar as relações para além das competências técnicas.
A este propósito, o futurista Thomas Frey aproveita para anunciar algumas profissões que surgirão com o envelhecimento ativo da população: designers de alojamento e de memoriais, provedores de serviços para octogenários, auxiliares para cada etapa da vida, administradores de heranças.
É ainda este homem que fala em imprimir corpos quem desdramatiza a questão: «É fácil ficarmos paranoicos, mas existem tantas atividades, e tão complexas, que a automatização será incapaz de destruí‑las.» Alguma vez o sorriso de um robô confortará como o de uma mãe? Se um robô disser a uma mulher que é linda significa tanto como se for o namorado a dizer‑lho? «Quem sabe onde tudo isto nos leva? A verdade é que vivemos numa economia baseada em seres humanos, nas suas necessidades.»
E os humanos nem sempre são lógicos.
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Fonte: https://www.noticiasmagazine.pt/2017/futuro-maioria-das-criancas-tera-profissoes-ainda-nao-inventadas/
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