Lya Luft*
Na última semana, escrevi,
quinta-feira (como interina do Verissimo, que está de férias), que
andamos demasiadamente parecidos com aquele burro falante que meu pai
gostava de mencionar: fala alto, muitas palavras, grande convicção,
feliz da vida..., sobre assuntos de que pouco ou nada sabe. Ou "para se
fazer de interessante!", dizia minha mãe, já que hoje dei pra citar os
pais.
Mais se entusiasma ainda essa criatura quando, achando-se
original, segue uma parte da manada derrubando conceitos sem analisar,
dando pontapés em filosofias sem entender, fazendo suas necessidades 1 e
2 em cima de coisas que nem consegue avaliar. Algumas manifestações de
leigos ou artistas nesses dias me impressionaram, como alguém comendo
(espero que de mentirinha) um absorvente de onde escorria sangue (espero
que falso). A que levaria isso? Por que estamos tão agressivos,
dispostos a decepar cabeças e cuspir nos outros? Por que assumimos essas
brigas e cruzadas hiperbólicas? Inquietação, medo, indignação, decepção
- confusão mesmo?
Falando com um filósofo (de verdade...) outro
dia, ele me lembrou de que estamos mais para iconoclastas do que para
criadores de boas coisas. Tanto se desfez o conceito de arte, tanto se
destruiu, tanto bancamos os moderninhos e seguimos - sem informação e
humildade, essenciais - o que nos pareciam novidades luminosas, que aos
poucos tudo foi-se esboroando. Cada um fala o que quer, apresenta o que
bem entende, e ai de quem não considerar arte panela de fezes ferventes,
pingolim cortado e outras belezas.
Se estranhamos, vêm os que
vociferam: então vocês defendem a censura? Então vamos quebrar o David
de Michelangelo, cobrir teto e paredes da Capela Sistina... e outros
delírios mais. Um momento, gente! Um pouco de bom senso e humildade faz
bem! Ninguém pensa em censurar arte. Por outro lado, nem todo mundo
quereria suas criancinhas induzidas a manipular uma pessoa nua (que não é
uma escultura...). Em muitas casas, nudez é natural. Não em todas.
Então a primeira lei seria respeitar as diferenças de costumes, assunto
do dia - o que acho muito bom! Mas não precisamos exagerar. Logo, quem
não é gay nem trans nem bi ou poli será objeto de preconceito e terá de
sair às ruas para se defender. Que cansaço.
Melhor prestar
atenção no que acontece aqui neste pobre país, onde até no Supremo reina
confusão, onde está quase decretado que raposas serão julgadas por
raposas, e as galinhas vão se ferrar de maneira fenomenal. Onde a
miséria reina, gente morre de falta de higiene, mulheres dão à luz no
chão, velhos morrem em macas, crianças estão sem escola, e corremos nas
ruas como ratazanas caçadas.
Mas fiquei feliz na última semana
com a conversa, na Federasul, no Tá na Mesa: carinho, respeito,
cumplicidade, ótimas perguntas, e a sensação de que, sem romantismo
algum - como é meu caso em relação ao país -, sempre há uma luz logo
ali. Pode ser só um vaga-lume... mas é luz.
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=58dcf38e3941ea8a0e4bd27dca3326a4 - 13/10/2017
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