"A minha geração se
ferrou", diz Dado Schneider a uma plateia predominantemente jovem, em
uma das tantas campus parties de que já participou. "Quando eu era
criança, no século 20, o melhor bife na mesa ficava com os adultos. E
agora que sou adulto, no século 21, e tenho filhos pequenos, o melhor
bife fica com as crianças. Ou seja, eu nunca comi o melhor bife. O mundo
mudou bem na minha vez. Quando eu era jovem, tive de me adaptar aos
velhos. Agora, para ser um velho aceitável, eu tenho de me adaptar aos
jovens."
Nesses jovens aos quais tenta se adaptar, Schneider,
56 anos, mestre e doutor em comunicação pela PUCRS, enxerga seres
humanos de um novo tipo. Eles são a geração Z, a primeira a nascer em um
mundo já dominado pela internet, na virada dos anos 2000, com todas as
vantagens e desvantagens que isso acarreta.
Para adaptar-se a
eles, é preciso entendê-los, e esse tem sido o foco das pesquisas do
professor e palestrante nos últimos anos.
COMO DEFINIR OS JOVENS QUE NASCERAM NO ANO 2000?
Eles são da geração Z. O conceito é um pouco flexível, mas se diz
que a Z começou com a chegada da internet para valer. Eles são
diferentes. Por exemplo, nós lembramos de quando o computador entrou na
nossa vida, da primeira compra que fizemos na internet, da primeira vez
que acessamos o Google. Eles, não. São nativos digitais, e nós somos
imigrantes digitais. Nós fazemos um distinção entre mundo online e mundo
offline. Eles não fazem diferenciação alguma. Para eles, mundo é mundo.
Realmente batem numa frequência diferente.
O QUE ISSO SIGNIFICA EM TERMOS COMPORTAMENTAIS?
Em vez do contato físico, eles preferem o contato digital. Inúmeras
pesquisas comprovam. Inclusive com a pessoa que está na frente deles,
eles falam pela interface digital. Obviamente, essa característica vai
mudar a forma de trabalhar, de comprar, de se relacionar.
ESSA RELAÇÃO COM A TECNOLOGIA ACABA SENDO CENTRAL NA VIDA DELES?
Acho que sim. Quem não está entendendo nada somos nós. Eles estão
vivendo o tempo deles, com os equipamentos que estão disponíveis a eles.
Quem faz um esforço para se ajustar, uns mais, outros menos, somos nós.
É por isso que digo que somos imigrantes digitais, porque vida de
imigrante não é fácil. Eles estão vivendo a vida normal. Ali é a praça
onde todo mundo se reunia para bater papo.
DE QUE FORMA ISSO REPERCUTIRÁ NO FUTURO?
Muita gente está fazendo previsões. Eu estou mais curioso do que
fazendo previsão. Por exemplo, acho que isso efetivamente afeta a
capacidade de focar em um assunto só. O grau de dispersão é muito maior.
Eles vão ter maiores dificuldades de trabalhar, porque nosso trabalho
está estruturado ainda do jeito do século 20. Abandonei o e-mail em 31
de dezembro de 2012, quando detectei que essa geração não usa e-mail,
porque é uma conversação estanque, você envia e não sabe quando a outra
pessoa vai abrir. Eles usam plataformas de conversação permanente,
Messenger, grupos de WhatsApp, Snapchat, Twitter. É em tempo real. Vai
ser difícil trabalhar com a gente. Já vi isso. O rapaz chegou numa
empresa em que dei consultoria e ficou um turno no estágio, não ficou
nem um dia. Foi embora na hora do almoço e não voltou mais, porque tudo
que deram para ele fazer tinha de usar o e-mail. E ele disse: "Mas eu
não uso e-mail". E foi embora.
O QUE ELES ESPERAM EXATAMENTE DO TRABALHO?
Querem trabalhos que sejam estimulantes, divertidos, em que o
convívio não seja necessariamente físico. E que tenham uma causa. Essa,
para mim, é a grande boa notícia dessa geração. Eles estão mais
preocupados em salvar as pessoas da fome, em consertar o esgoto da
cidade, em fazer uma aplicativo para que as pessoas leiam em todos os
idiomas. Sou da geração hippie, que queria mudar o mundo, só que chegou
uma hora em que nos atrapalhamos. Eles não querem mudar o mundo. Querem
melhorar o mundo.
É REALÍSTICO IMAGINAR QUE TODOS CONSEGUIRÃO ESSE TIPO DE TRABALHO?
Não. Vai ter ter aquela menina lá que resolveu o problema tal. Mas o
nosso mundo não está estruturado para isso. Muitos vão se frustrar.
Duas previsões: se a rotatividade no emprego hoje já está alta, pode
botar aí umas duas ou três vezes mais com eles. A outra é: se eles não
conseguirem mudar o Brasil, eles se mudam do Brasil.
COMO ESSES JOVENS LIDAM COM A HIERARQUIA?
Respeitam a autoridade quando ela é conquistada, não quando é
imposta. Mas não se rebelam. A minha geração engoliu a autoridade, foi
educada assim. A geração seguinte se rebelou contra a autoridade. Acho
que essa nova geração vai fazer memes e chacotas e simplesmente dar as
costas, ir embora. Nós respeitávamos a autoridade por temor. Eles vão
seguir autoridades que se façam respeitar por amor e humor.
A EDUCAÇÃO É IMPORTANTE?
Está começando a diminuir a importância do diploma. O que mais ouço
os RHs falarem é sobre competências e habilidades. Aumentou a
quantidade de pessoas fazendo curso superior. Mas eles vão ter
habilidades em que serão autodidatas, está tudo na internet, há cursos
de todas as especialidades possíveis, reconhecidos ou não pelo MEC
(Ministério da Educação), isso não interessa para eles, eles nem sabem o
que é o MEC. Se tiver um curso universitário, beleza, mas acho que eles
dificilmente vão completar os cursos com a duração que têm hoje. São
capazes de começar três, quatros cursos e não completar nenhum. Porque
um ciclo de quatro anos é uma coisa impensável para eles, é como 30 anos
para mim.
HÁ UMA PROPENSÃO MAIOR AO EMPREENDEDORISMO?
Com certeza. De dois tipos: o verdadeiro, gente com brilho no olho
que cava financiadores ou levanta o negócio ralando mesmo; ou o
empreendedorismo de paitrocínio, que é aumentar o tempo durante o qual
ele vai ser sustentado.
ESSAS QUESTÕES PERPASSAM TODAS AS CLASSES SOCIAIS?
Sim. Quando entrevisto gente de favela, vejo que as mães, porque
muitos não têm pai, estão focando em educação. Elas estão criando os
futuro chefes, porque esses jovens vêm com uma gana de vencer na vida e
com a educação sendo posta em primeiro lugar dentro de casa. Vejo muita
gente das classes mais elevadas sem garra. Vão ter o acesso a educação,
vão fazer cursos fora, mas provavelmente terão como chefes esses
digitalizados das classes mais baixas, com garra para subir na vida.
COMO É A RELAÇÃO DESSES JOVENS COM A POLÍTICA?
Pouca, quase nula. São totalmente descrentes. Se por um lado sou
otimista por achar que os bons vão se rebelar, por outro lado acho que
haverá um grupo tão alienado que não quer nem saber de política, que
será facilmente manipulável. Vejo duas tendências: gente que vai mudar a
cara do Brasil por não aceitar essa política podre e uma massa que vai
fazer "kkkk" e memes e votar em aberrações.
É POSSÍVEL POSICIONÁ-LOS MAIS À DIREITA OU MAIS À ESQUERDA?
Tirando o grupo que está sendo verdadeiramente forjado, o que em
geral é mais estruturado na esquerda, eu não vejo eles de lado nenhum.
Acho inclusive que, por rejeitar tantos as coisas antigas do século 20,
eles também vão rejeitar os rótulos de direita ou esquerda.
É UMA GERAÇÃO MAIS ABERTA EM SEXUALIDADE E GÊNERO?
Cem por cento. Até estranham nossos preconceitos. Se apaixonam pela pessoa. Não são definidos e não são definitivos.
HÁ PERFIS BASTANTE DIFERENTES DENTRO DESSA MESMA GERAÇÃO, NÃO?
Sim, eles têm mais nichos do que as gerações anteriores. Tem muita
diversidade. E tem uma coisa muito forte. Essa é a primeira geração que
não tem nos pais o modelo de trabalho a ser seguido. Muitos me dizem:
"Eu não sei o que quero ser na vida, mas de uma coisa tenho certeza, não
quero ser nem o que o meu pai faz, nem o que a minha mãe faz, porque
eles estão muito estressados e não têm prazer onde trabalham".
QUE CARACTERÍSTICAS PREOCUPAM MAIS NESSES JOVENS DO ANO 2000?
Um aspecto preocupante é se sustentarem. Porque se você só vai
fazer o que gosta, a capacidade de aguentar pressão diminui, a
capacidade de ser resiliente é quase inexistente, a capacidade de
persistir é zero. Então quando é que começa o período em que você vai se
sustentar? Se a geração Y está ficando na casa dos pais até 30 e poucos
anos, eles vão passar dos 40.
CONVERSANDO COM ELES, ÀS VEZES
HÁ A IMPRESSÃO DE QUE O MUNDO PARA ELES COMEÇOU DEPOIS DO ANO 2000. TÊM
POUCAS REFERÊNCIAS SOBRE O QUE VEIO ANTES. ISSO ASSUSTA?
Eles não sabem de Beatles. Roberto Carlos é aquele velho de que a avó
gosta. Não sabem quem foi o Tancredo. Eu brincava em aula: "Não precisa
fazer a prova quem me disser o que veio primeiro, Napoleão Bonaparte ou a
Revolução Francesa". Ele não sabiam o que eram essas coisas, o que
dizer a cronologia.
POR QUE SÃO ASSIM, TENDO TANTA INFORMAÇÃO DISPONÍVEL?
Justamente porque está disponível. Então não precisam se aprofundar. Só gruda na cabeça deles o que dá para ver.
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Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e056e52c8dcd019a63e6a3f169892cc9
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