Rita de Almeida*
MENOS SILÊNCIO, MENOS TRAUMA - Crianças lidam melhor com o luto quando
adultos se dispõem a falar da morte (iStock/Getty Images)
O que podemos fazer para ajudar nossos filhos a lidar com o luto
Todos sabemos que
para falar a uma criança e ser verdadeiramente ouvido por ela é preciso
ter clareza sobre o que sentimos e o que queremos transmitir. No caso do
luto, nossa dificuldade para lidar com o assunto pode atrapalhar — e
muito — a forma como uma criança que perdeu alguém querido vai reagir. A
raiz do problema está na nossa cultura: os tabus relacionados à
morte tornam ainda mais dura a vivência infantil do luto. Nossa
tendência é preferir o silêncio para não enfrentar nossa própria dor nem
vê-la refletida no outro.
No
Ocidente, a morte ainda é tabu. Quase não falamos sobre isso e torcemos
para que a criança não pergunte e não tenhamos de responder. O
desconforto maior, na verdade, é do adulto. É parte da nossa cultura a
dificuldade de falar sobre coisas tristes.
Uma proposta que poderia ajudar a quebrar o tabu é a da
psicóloga americana Jessica Nutik Zitter. Ela acredita que deveríamos
incluir os temas do luto e da morte no currículo escolar, tal qual
fizemos com a educação sexual no último século. Jessica Zitter conduziu
essa experiência em uma escola americana e obteve ótimos resultados.
Mas, até uma iniciativa como essa ser aceita e tornar-se acessível a
toda a sociedade, as crianças verão e sentirão os adultos lidando de
forma problemática com o luto, o que aumentará ainda mais sua
insegurança. Tendo perdido um dos pais, elas vivem situações traumáticas
como o Dia dos Pais ou o Dia das Mães na escola. São ocasiões em que a
exposição da ausência intensifica a dor. Sobre isso, vai a primeira
provocação: não seria hora de as escolas eliminarem esses dias e
passarem a adotar — se acharem importante — o Dia da Família? Isso
poderia ajudar muito.
Seja em casa, seja na escola, o que realmente importa é que
podemos iniciar um trabalho de acolhimento adequado à criança que vive o
luto. Nosso site, Vamos Falar sobre o Luto, tem por missão levar
informação e inspiração para tornar menos doloroso o processo de perda. A
partir de entrevistas que fizemos e conversas que tivemos com
enlutados, listamos aqui algumas questões que envolvem o luto infantil e
ideias sobre como os adultos podem ajudar os pequenos nesse processo.
• O luto é um assunto (também) para as crianças.
“Falar ajuda a criança a ficar mais aliviada e a
administrar o sentimento de perda, além de endereçar a dor para o que
realmente é. A criança precisa das respostas para restabelecer seu mundo
interno, trabalhar com a ruptura, encontrar novos alicerces para
conseguir se mover a partir daquele ponto”, diz a psicóloga Isabela
Hispagnol. Se a criança se fecha ao assunto, é importante encontrar
outras formas de trabalhá-lo, por meio de brincadeiras e histórias
infantis ou mesmo da natureza (a vida das plantas e dos animais). Mesmo
que não demonstre, essa história está dentro dela. Não precisamos dizer à
criança que só morremos quando ficamos velhinhos. Mas, sim, que a gente
espera que as pessoas morram bem velhinhas, só que, às vezes, por causa
de acidentes ou de doenças muito graves, elas podem morrer antes. E
reforçar que, para morrer, é preciso uma doença muito grave, e que a
maioria delas pode ser curada com remédios.
• Estar preparado para responder às mesmas perguntas (das crianças) várias vezes.
Pacientemente, devemos responder à mesma pergunta quantas
vezes for preciso. Diz a psicóloga Isabela: “Quando uma criança repete
uma pergunta, não é porque não entendeu o esclarecimento, mas porque
está reinterpretando o fato, já que sua base de conhecimento mudou”.
• Quanto mais claro e verdadeiro, melhor.
Optar por respostas que garantam a diminuição das
contradições, das dúvidas e das ambiguidades é a recomendação dos
especialistas. Deve ficar claro, em primeiro lugar, que aquela pessoa
não volta mais, para não gerar uma expectativa irreal. Mas que se
tornará presente, ao longo do tempo, por meio de outras formas que a
criança vai conseguir acessar: na lembrança, no coração, nas músicas,
nas brincadeiras e em tantas outras coisas.
• Ficar atento a necessidades e limites das crianças.
Uma alternativa é devolver a pergunta a ela. Indagar o que
ela está sentindo. Assim, é possível saber até onde quer ir e não
ultrapassar esse ponto. O importante é criar um espaço de conversa para
que a criança possa administrar o sentimento que surgiu, mas sem trazer
informações além do que ela consegue absorver naquela hora. E com a
linguagem mais adequada ao seu momento e aos sentimentos. Vale a
linguagem direta, a da brincadeira, a da leitura, a do teatro, a da
terapia, a do amor. “Não omitir é vital, mas responder de forma simples,
sem ultrapassar aquilo que a criança perguntou, também é. Deve-se ser
verdadeiro e objetivo, respondendo às perguntas à medida que aparecerem,
sem deixar lacunas nem perguntas sem resposta”, diz a psicóloga.
• Não esconder o próprio sentimento.
É claro que não vamos nos desesperar perto das crianças,
mas é importante que elas tenham noção do sofrimento adulto e de que
esse sofrimento nada tem a ver com elas, para que se sintam esclarecidas
mas não culpadas ou angustiadas.
• Tornar o assunto algo natural. E, quando isso acontecer,
teremos uma relação de dois lados, em que é possível que a criança e o
adulto se ajudem e troquem dores, lembranças alegres e experiências de
amor que envolvem o luto, porque essas são coisas que não costumam
faltar.
Este é um texto que eu gostaria de ter lido quando minha
família precisou pensar sobre isso: como poderíamos ajudar o Rodrigo,
meu neto que hoje tem 6 anos, a entender, aceitar e lidar de um jeito
saudável com a falta e a saudade de seu pai, meu filho Paulo, que partiu
em 2012, aos 28 anos. Hoje me sinto aliviada. O Paulo é um assunto
presente entre nós. Falamos sobre ele, sobre seu amor pelo Rodrigo, no
que se parecem e no amor eterno que existe entre os dois. Isso ajuda o
Rodrigo e ajuda a cada um de nós, adultos, a viver da mesma forma.
Os adultos podem proporcionar um caminho melhor às crianças
que enfrentam o luto, para que possam construir uma experiência de vida
em que a falta seja preenchida com amor e entendimento.
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* É publicitária e cofundadora do site Vamos Falar sobre o Luto
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2017, edição nº 2563
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/a-infancia-e-a-morte/
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