Affonso Celso Pastore *
Em vez de acentuar o ajuste fiscal, o governo o afrouxa e libera mais gastos para tentar aprovar a reforma da Previdência
Quando o Plano Real optou pela âncora cambial, mas queria
também o peso de uma âncora monetária, foi obrigado a elevar os
controles aos ingressos de capitais e o recolhimento compulsório sobre
os depósitos bancários, evitando o que Mundell chamou de “trindade
impossível” – a impossibilidade de ter simultaneamente câmbio fixo;
liberdade de fluxos de capitais; e controle monetário. Questionado sobre
qual âncora lançaria para sustentar a estabilidade de preços, Gustavo
Franco deu a resposta de Vasco Moscoso de Aragão ao marinheiro que se
preocupava com a aproximação da tempestade: lance todas as âncoras.
Para truncar o crescimento explosivo da dívida pública o
governo tinha de controlar o crescimento dos gastos, e deu um sinal
forte com a aprovação do congelamento dos gastos primários em termos
reais. Mas pontas ficaram soltas, a mais importante das quais é que mais
de 40% dos gastos primários vêm do déficit da Previdência. Como os
gastos com a Previdência estão fora do congelamento, e a dinâmica
demográfica vem reduzindo a proporção de jovens, que contribuem, e
aumentando a de idosos, que recebem os benefícios, a menos que se aprove
uma reforma da Previdência, o teto de gastos não se sustenta.
Para reforçar o compromisso com o ajuste o governo criou
a regra do teto dos déficits primários, que com o congelamento dos
gastos em termos reais e a queda da taxa real de juros determinaria a
trajetória da relação dívida/PIB. Avaliado pela cotação do CDS
brasileiro, a reação dos mercados foi favorável, mas apesar dessas duas
medidas o governo ainda continuará gerando déficits primários nos
próximos anos, e mesmo diante da forte queda da taxa real de juros a
dívida pública continuará crescendo.
É nesse ponto
que surge uma nova forma da trindade impossível. No Artigo 167 da
Constituição – a regra de ouro – é vedado que o governo se endivide para
pagar despesas correntes. Ocorre que para cumprir o teto de gastos e
atingir a meta do déficit primário o governo já cortou “até o talo” os
investimentos, o que diante dos inexoráveis déficits primários nos
próximos anos o obriga a elevar a dívida pública para pagar os gastos de
custeio, descumprindo a regra de ouro.
A
origem do problema remonta à combinação de um déficit primário enorme
no início do ajuste combinado com um gradualismo excessivo. Naquele
momento, tanto quanto agora, não havia nenhuma esperança de crescimento
acelerado das receitas, o que significa que por vários anos à frente
está contratada uma elevação da dívida pública. Em 2017 fomos salvo pela
devolução de R$ 50 bilhões do BNDES, e em 2018 uma nova devolução dos
recursos do BNDES pode permitir o cumprimento da regra de ouro. Mas
estes são apenas paliativos.
Não é preciso nenhuma teoria econômica, mas apenas uma
aritmética elementar, para concluir que mesmo cumprindo o congelamento
dos gastos e a meta dos déficits primários será impossível cumprir a
regra de ouro se for mantido o excessivo gradualismo do ajuste do
resultado primário. Em vez de pensar em mudar a regra impressa na
Constituição, gerando mais desconfiança, é preciso aumentar a
intensidade do ajuste fiscal, que tem seus efeitos sobre a atividade
econômica atenuados pela boa execução da política monetária, e que com
maior austeridade fiscal garantirá taxas reais de juros baixas por mais
tempo. É preciso aprofundar – em vez de aliviar – a reforma da
Previdência; é preciso conter outros gastos correntes; é preciso elevar a
eficácia da arrecadação, eliminando as vantagens do Simples e as várias
desonerações em vez de premiar com uma sucessão de Refis os empresários
inadimplentes. Em vez de acentuar o ajuste, contudo, o governo o
afrouxa, liberando mais gastos e acentuando a perda de receitas para
tentar aprovar a reforma da Previdência. Esta e outras incoerências
agravam a situação no lugar de resolvê-la.
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* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS
FONTE: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-regra-de-ouro-e-a-trindade-impossivel,70002143576 09/01/2018
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