Juremir Machado da Silva*
Em 2017, entrevistei, em Paris, Bruno Latour. Ele é um dos mais
famosos filósofos da ciência da atualidade. Um entusiasta da revolução
tecnológica. Criou uma teoria muito citada chamada “ator-rede”, que diz
mais ou menos o seguinte: tudo se relaciona. No fundo, é uma variante da
teoria da complexidade de Edgar Morin. Na entrevista, fiz o papel de
pessimista sobre o futuro da humanidade. Em que nós, homens, vamos
trabalhar se a automação vai fazer tudo por nós. Latour riu. Sugeriu que
ficaremos livres para trabalhos mais criativos. Será?
Falei-lhe do desaparecimento de caixas de supermercado. Ele sorriu
como quem diz não se perderá nada, será uma libertação. O problema é que
essa atividade enfadonha sustenta milhões de famílias. Sobre a passagem
do trabalho repetitivo ao criativo, José Manuel Salazar-Xirinachs,
diretor regional da OIT para a América Latina e Caribe, questiona:
“Isso soa muito legal, mas a questão é: quantos trabalhos para pessoas
criativas serão gerados?” Estima-se que só o Brasil perca 16 milhões de
empregos até 2030, gerando no máximo dois milhões nas novas plataformas e
possibilidades. O mundo deve perder cerca de 800 milhões de postos de
trabalho nos próximos 12 anos.
Aqueles que continuarem empregados dividirão a mesa com um novo tipo
de profissional, o cobot, um robô mais eficiente que humanos, cumpridor
de metas sem sofrer de burnout, alheio a fofocas, programado
para não paquerar colegas e sem filiação a sindicatos ou partidos. Quem
diria, hein! Vamos sentir saudades de empregos duros, alguns
humilhantes, dessa exploração nossa de cada dia! As utopias políticas
prometiam um paraíso onde todos seriam artistas e intelectuais. As
utopias tecnológicas vendem o bilhete premiado para um mundo onde todos
serão criativos, trabalharão pouco, em toda liberdade, e serão felizes
no universo virtual. Ficaremos livres para ver dez jogos da Champions League por dia ou dez séries da Netflix por jornada. Uau!
Alguns políticos europeus já defendem a criação de um salário
universal. Cada pessoa receberá uma quantia do Estado com uma única
obrigação: consumir. Como seremos todos desempregados, viveremos todos
de seguro-desemprego permanente. O que proponho? Quebrar as máquinas?
Parar a evolução tecnológica? Nada disso. Não funcionaria. Apenas tento
descrever o que pode vir por aí. Já fiz ficção-científica. Como não
precisaremos mais nos deslocar, as pernas, salvo se realmente aderirmos
às academias, serão novos apêndices em alguns séculos. Espero que não
inflamem e não precisem ser extraídas em cirurgias. Em compensação, não
haverá mais engarrafamentos.
Nem produção de carros.
O exagero pode ser apenas uma caricatura do medo crescente. Estaremos
ficando obsoletos? O argumento de que a criatura nunca engoliu o
criador não tranquila mais. Fiquemos com o mais simples: teremos mais
tempo livre. O que faremos dele? Convidaremos nossos amigos cobots para
uma ceva depois do expediente? A reforma da Previdência de Michel Temer
poderá não surtir o menor efeito. A era do trabalho pode estar mesmo no
fim. Trabalhadores, uni-vos? Já foi.
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*Graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em
Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos
Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também
chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o
Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na
Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado.
Imagem da Internet
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