PAULO GHIRALDELLI JR.*
John Macdougall/AFP | ||
A atriz francesa Catherine Deneuve, que assinou manifesto contra "denuncismo" de feministas |
A mulata Globeleza desapareceu. As duas. Não cabe mais. O nu e a
exposição da mulher são alguma coisa que sobrou para o celular: "Mande
nudes." Na TV, só se vier recheado de salamaleques pseudocultos, como no
caso do programa "Amor & Sexo" —aliás, muito chato.
Até mesmo a propaganda de cerveja adotou antes a lição moral que a
chamada, pelos meus pais, de "mulher boazuda" (também usei essa
expressão).
Até pouco tempo, os homens das agências de marketing diziam que um
cachorro da raça golden retriever e os decotes generosos eram as duas
coisas que faziam os homens sorrir. A distância do golden retriever como
chamariz cresceu tanto em relação aos seios que o segundo lugar não
conta mais. Ser fofo, agora, é ser filhote.
Aqueles que estão acostumados a manuais de sociologia –e, por isso, não
pensam– estão dizendo por aí que vivemos uma época de "puritanismo
americano". Outros, então, alimentados por literatura barata, vão falar
em hegemonia do "politicamente correto" (ou "ditadura", o que é erro até
maior). Mas uma visão histórica desmente isso.
Os anos 60 trouxeram a abertura para um novo contrato sexual. Ele não se
fez. Só agora estamos realmente pondo a sua minuta na mesa. Entre os
anos 70 e 90, um dos resultados dos 60 foi o lento e sazonal
aparecimento de roupas andróginas e de moda de cabelo e outras coisas
chamadas "unissex".
Agora, a androginia saiu do campo do adorno e foi para o campo mental.
Há uma mentalidade andrógina no ar. O amor deixou lugar aberto para o
seu original, Eros, e este nunca foi outra coisa senão o rei da
androginia.
Sempre fez pessoas gostarem de pessoas, e não homens gostarem de
mulheres ou vice versa. O mundo ocidental jovem está povoado de pessoas;
pessoas cuja genitália (ou não genitália) deixou de dar comando
unificado para o amor.
Tudo isso se espelha maravilhosamente no embate entre o discurso de denúncia de assédio, representado no momento pela fala de Oprah Winfrey, e o manifesto contra o "denuncismo", representado pela assinatura de Catherine Deneuve. As moças do cinema saem na frente!
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Ao contrário do que se anuncia, nada aí diz respeito a mais um debate do
"feminismo" contra o "machismo". O confronto é a confecção do novo
contrato sexual —finalmente!
O que está na minuta do contrato é o novo, o inusitado: o "segundo sexo"
(Simone de Beauvoir) está delineando o que deve ser o macho, o
masculino ou o homem, sem perguntar nada aos homens. Isso é o inédito.
Essa é a marca desse movimento, a vitória da mulher.
Ambos os movimentos são progressistas. A cama é um lugar horizontal, e
ambos os manifestos querem que isso prevaleça. Não há razão para clamar
por verticalismos, jogos de poder, status, para se ir para a cama nem
para sair dela.
Oprah quer que a lei contra assédio possa ser cumprida, pondo nos eixos
os homens que não sabem ler a linguagem corporal das mulheres, que dizem
"sim" ou "não" sem precisar falar. Deneuve quer que os homens que sabem
ler a linguagem corporal da mulheres possam ter chance de o assim
fazer, sem ganharem a injusta pecha de tarados.
O homem, aqui, não apita nada. Ele está sendo moldado por mulheres da
América e da Europa e vai ter de entrar no novo figurino. O pacto sexual
cuja minuta é apresentada agora vai ser assinado por ele, mas sem que
seja consultado. Se ele teimar, o contrato ficará valendo até mesmo sem
sua assinatura. O certo é que ele nem perceberá, pois já estará mudado
quando acordar.
Em mundo assim, a mulata Globeleza precisa mesmo desaparecer. Para volta
a surgir nua, deverá esperar um novo homem que saiba entender quando a
sua nudez estará se dirigindo para ele ou não. Isso se ele ainda tiver
algum interesse por nudez.
O homem tirado desse novo pacto, pelas mulheres, vai ter que ser um
leitor melhor, inclusive para entender que golden retriever e androginia
vem antes que ele. A sensibilidade natural é histórica.
A ideia de que as pessoas dizem "sim" quando estão dizendo "não" terá de
ser mais bem percebida. O que Deneuve e Oprah estão afirmando é que a
burrice precisa perder espaço.
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*PAULO GHIRALDELLI JR., 60, filósofo, é autor, entre outros, de "Dez Lições Sobre Sloterdijk" (Vozes)
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/01/1950726-o-novo-contrato-sexual.shtml 16/01/2018
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