Carol Graham*
"Se anos atrás os analistas tivessem prestado mais atenção ao nível de
bem-estar como complemento à tendência do PIB, talvez hoje não nos
surpreenderia a irrupção de populismos e outras adversidades"
DURANTE OS últimos anos afloraram numerosas tendências que
obrigam a se questionar até que ponto a economia global está funcionando
bem. O voto no Reino Unido em favor do Brexit representa um desafio enorme para o futuro da União Europeia,
enquanto a eleição de um agitador instável para a Presidência dos
Estados Unidos pôs em xeque a ordem internacional tal como a conhecemos.
O apoio a populistas antissistema por toda a Europa sugere que essa
tendência não terminou.
Os
indicadores econômicos convencionais praticamente não nos alertaram
para tudo isso. As taxas médias de crescimento escondiam o rebaixamento
social de importantes setores da população enquanto que os baixos
índices de desemprego mascaravam o número crescente de jovens com
empregos precários ou totalmente excluídos da massa laboral. Como não
nos demos conta de nada disso?
Se tivéssemos feito um acompanhamento do nível de bem-estar,
como complemento do PIB, talvez pelo menos nos teríamos surpreendido
menos. Nós que pesquisamos a felicidade na economia desenvolvemos uma
série de parâmetros para avaliar o bem-estar das populações do mundo e a
influência do nível salarial e outros fatores. Desta forma, descobrimos
padrões muito consistentes nas variáveis que explicam os maiores níveis
de satisfação, que, por sua vez, estão vinculados a sociedades mais
saudáveis e longevas. Segundo essas referências, a renda determina a
felicidade até certo ponto, mas uma boa saúde, um emprego e um
relacionamento estável, bem como uma meta ou propósito na vida, são
ainda mais importantes. Também medimos como as pessoas enfrentam a vida
cotidiana; se sentem-se satisfeitas, estressadas ou irritadas quando
pensam em suas tarefas diárias.
Uma boa saúde e um emprego e um relacionamento
estáveis são mais importantes que
a renda na felicidade
Esses parâmetros me serviram para pôr em destaque a profunda infelicidade que, em meio à prosperidade, existe nos Estados Unidos.
A causa deste paradoxo são vidas, esperanças e perspectivas muito
diferentes. Alguns setores da população têm acesso a oportunidades, boa
educação e saúde, e um alto nível de otimismo em relação ao futuro.
Outros vivem desesperados, estressados e descontentes a ponto de que “as
mortes por desesperança” — suicídio, overdose de drogas e intoxicação
etílica entre os brancos de meia idade sem formação universitária que
vivem no interior do país — estarem provocando um aumento da mortalidade nos Estados Unidos.
A brecha mais evidente é a que existe entre ricos e pobres, e
entre a população urbana e a população rural nos Estados Unidos. Mas a
história não é tão simples. Há também uma divisão igualmente profunda
entre operários brancos desesperados e minorias otimistas e com maior
capacidade de adaptação — em especial negros pobres. As minorias, que
sofreram historicamente discriminação e outros desafios, estão fechando
paulatinamente as brechas educacionais e de expectativa de vida. Os
brancos pobres, pelo contrário, vivenciaram uma perda, tanto real como
sentida, de status, de mobilidade social e de oportunidades no futuro. A
possibilidade de que admitam que vivem pior que seus pais é muito maior
no seu caso. Sua desesperação se reflete no aumento das “mortes por
desesperança”.
As raízes econômicas desta crise são muito mais conhecidas
do que as relacionadas com a perda de identidade e expectativas. No
mínimo, temos que começar a analisar as tendências do bem-estar e do
mal-estar junto com as estatísticas habituais (como já vem fazendo o
Governo do Reino Unido), com a finalidade de entender melhor o contexto.
Do contrário, a história que os números se esqueceram de contar poderia
pôr em perigo ainda maior nossas democracias, nossas economias e nossas
sociedades.
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* Carol Graham é pesquisadora do Brookings Institution.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/29/eps/1514551682_135507.html
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