Fran Alavina*
Análise
de discurso do colunista da “Folha”. Ele nada argumenta; raso e
verborrágico, abusa dos artifícios retóricos e do argumento de
autoridade. É a fórmula para arrebanhar crentes
políticos de classe
média
Ao fim de 2017, o nosso mais singular caso de intelectual homologado
– Luís Felipe Pondé – nos presenteou com um texto que com certeza se
tornará um dos clássicos de sua douta produção: tanto mais verborrágica,
quanto rasa. Em sua coluna na Folha de S.Paulo, mais precisamente no artigo “E se o PT voltar ao poder em 2018?”, revelou-se a faceta mais determinante, porém não suficientemente discutida de sua produção.
Nos dias que se seguiram ao viral
artigo, as reações contrárias “choveram no molhado”. Tratava-se de
afirmar que o texto do ínclito colunista do periódico paulistano
mostrava o medo e o rancor daqueles que pensavam haver sepultado o mais
temido dos adversários políticos. Esta interpretação, além de recorrer
ao fácil argumento da passionalidade; e, embora, não seja carente de
sentido, esconde o eixo articulador do texto de Pondé: a vulgarização da
figura do filósofo e sua escolha oportunista pelo pensamento fácil.
Isto é, o abandono do trabalho do pensamento em favor do não saber, da
ignorância disfarçado de conhecimento. Quem leu o artigo do professor
Pondé e pensa ter aprendido algo, nem mesmo se informou. O não saber do
intelectual homologado muitas vezes está aquém da informação. Por
conseguinte, é difícil classificar o texto do colunista-filósofo (ou
seria do filósofo-colunista?): um “grita de alerta”; o texto de um
polemista; apenas um escrito de ocasião? Ao fim, veremos que o seu texto
nada mais é que o exemplo mais acabado de sua renúncia ao exercício
sério do pensamento.
Mas antes de entrar no texto de sua coluna, é
preciso que nosso leitor realize dois movimentos: um de esforço e outro
de suposição. O primeiro deles, o de esforço, não é tanto cognitivo,
porém de vontade e bom ânimo: é preciso, ainda que somente pelos minutos
da leitura dessas linhas, levar Pondé a sério. Ademais, não
olvide nosso leitor, o que ele mais quer é não ser levado a sério, pois
assim pode cativar seu fã-clube com sua cantilena de que falaria para
aqueles que os acadêmicos tradicionais desprezam: o grande público, esta
abstração que nunca se sabe definir bem o que seja, posto que é somente
uma imagem sem conteúdo, recurso retórico dos mais vulgares quando não
se sabe, ou se quer esconder as determinações e limites de certo
público.
Realizado
este primeiro movimento, devemos fazer o segundo, o de suposição: supor
que Pondé é um filósofo. Ora, o artigo de Pondé demanda de seu leitor a
aceitação de uma suposição: aquela de que Lula ganhará as eleições
desse ano. Façamos, pois, também a nossa suposição: a de que Pondé pode
ser considerado um filósofo. Supondo que ele é um filósofo, o que se
espera encontrar no texto de alguém cujo ofício é o trabalho do
pensamento? Ora, espera-se encontrar argumentação, e não opinião. Ou
seja, o movimento do pensamento em plena atividade: afirmando, negando,
refutando, explicitando e se desdobrando dentro dos limites
lógico-interpretativos. Portanto, com a coerência que só o rigor de
ideias bem articuladas pode oferecer.
Qual não será a surpresa do
leitor, tendo aceitando a suposição de que o colunista é um filósofo,
ao se deparar com a referida coluna… (!). Ainda que seja um texto curto,
ele não nos oferece uma única relação explicitada de causa e efeito.
Não há mesmo definições com as quais o suposto filósofo construa junto
do seu leitor uma séria argumentativa simples em que acabe por concluir
uma coisa, ou refutar outra. Não poderia ser diferente, não há algo a
ser concluído, pois tudo que se pretende como exercício de suposição já é
preconcebido como certo. Uma contradição entre o que se diz supor e o
que se descreve como realidade, algo que acaba por anular o próprio
exercício de suposição.
Vejamos…
O texto começa com um recurso ao absurdo: afirma que com Lula na presidência em 2019 iremos parar no “(…) paleolítico”.
Uso de uma imagem hiperbólica para provocar no leitor, já de início, a
sensação de estar perante uma aberração. Logo, desqualifica, por
princípio, a realização da suposição, sem precisar, pois, justificá-la.
Em outros termos, afirma-se, mas sem argumentar. Ademais, este recurso
ao absurdo desqualifica o próprio exercício de suposição que ele propõe,
uma vez que o absurdo nega a verossimilhança, que é garantidora de
sentido à suposição. Neste caso, Pondé nos mostra que é um bom
conhecedor de básicos princípios retóricos.
Instalado o absurdo, segue-se uma ironia: “inteligentinhos dirão
(…)”. Não se trata daquele tipo de ironia filosófica, que joga com
conceitos ou ideias, aquela de tipo socrática, mas a ironia na sua forma
mais vulgar e simplista, que não se presta a desfazer um argumento, e
sim desqualificar moralmente qualquer pretenso interlocutor contrário.
Depois do absurdo e da ironia rasa, há de se movimentar um termo supostamente polêmico e de efeito. Escreve Pondé: “a bolsa fome é (…)”.
O uso de termos como este não serve à mera desqualificação, ou ser
apenas ponto de “choque” no texto, também cria um laço de identidade
instantâneo entre aquele que o expressa e aquele que lê. Já nas
primeiras frases se dá então a senha do que seguirá: um encadeamento de
imagens e frases do baixo cotidiano político, daquelas que se pode ouvir
da boca de qualquer reacionário na sua mais hodierna vulgaridade. Aí se
mostra também a pobreza do texto de Pondé, nele nem mesmo se encontra
alguma novidade, porém um sem fim estendido de repetições. De
ineditismo, nem mesmo um único simulacro. Na verdade, o próprio Pondé é o
simulacro. Suas “frases de efeito”, escritas como se fossem berros,
simulam e fazem ecoar as ruas que se vestiram com camisas da CBF.
Seguindo
com sua coluna, ocorre o clássico argumento de autoridade, típico de
uma fala que precisa de reforços rápidos, pois não consegue se sustentar
por ela mesma. Pondé sentencia que: “Nelson Rodrigues dizia (…)”, – e
arremata com mais um termo polêmico, que não é mais que outra
desqualificação moral – “Dom Helder, o arcebispo vermelho, (…)”. Pode-se
procurar ideias, contudo até esse ponto do texto não é possível as
achar. Há apenas um volteio em imagens anedóticas.
Eis, então,
que parece surgir uma ideia, um conceito ainda que vago. Continua Pondé:
“o velho coronelismo nordestino (…)”. Rapidamente, todavia, vemos que
se trata de mais uma imagem sem determinação, desprovida de caráter
conteudístico, que joga com o imaginário do leitor preguiçoso. Não
sabemos bem o que Pondé entende por Coronelismo, ele mesmo não
nos apresenta uma simples noção de como o entende, não esboça uma
definição deste fenômeno histórico-social, porém referenda sua fala com
uma idiossincrasia, ou seja, com mera pessoalidade: “conheço bem a
região: sou nascido no Recife e vivi anos na Bahia (…)”. Mais uma vez
ele não argumenta filosoficamente, mas pede ao seu leitor que creia no
seu testemunho. O leitor não é convencido, mas deve praticar um ato de
fé: crer que os anos de Pondé no Nordeste o credenciam, quase que por
espontaneísmo, a falar de Coronelismo. Ora, experienciar ou presenciar
certa realidade por algum tempo não faz de ninguém um profundo
conhecedor da mesma.
Tudo isto é inusitado, para dizer o mínimo,
quando se trata de algo escrito por um suposto filósofo. De quem
esperaríamos um exercício de raciocínio para o convencimento, eis que
aparece a crença. Qualquer semelhança entre isto e a
superstição não é mera coincidência, já que a base da superstição é a
crença no testemunho de outrem sobre algo que desconhecemos ou não
poderíamos experienciar. Ela, a superstição, nasce da fé ingênua e do
não saber, e é isso que Pondé pede do seu leitor: fé ingênua, posto que
não argumenta. Ademais, é este o caminho mais fácil para que seu leitor
seja tratado como um fiel e a palavra dele se torne a palavra de uma
autoridade. Pondé não fala à razão de seus leitores, nem mesmo à
passionalidade deles; apenas procura manobrar seus ânimos e afetos mais
irrefletidos. Um filósofo que não fala à razão de seus leitores: é isto
um filósofo?
De fato, está indagação se reforça ainda mais com o
restante do texto: uma descrição feita em um misto de tons proféticos e
apocalípticos. É como se estivéssemos perante um profeta que anuncia o
fim dos tempos. Sozinho, ele julga com retidão esmerada um futuro que se
mostra apenas aos seus olhos. Vê a si mesmo como escolhido e
destinatário de uma mensagem de elevado caráter moral. Não é ao
moralismo automático de seus leitores que se dirige o brado de Pondé? É
como se dissesse: “vos anuncio um período de horror e barbárie:
acreditem e se convertam, enquanto é tempo. As eleições estão logo ali
(…). Estamos no momento propício!”. Todavia, como bom profeta que é,
Pondé antevê a iminência da não conversão dos seus. Com indisfarçável
pessimismo alfineta: “Todo esse mimimi ao redor da Lava Jato ficará
claro como mimimi. Dane-se a corrupção. Ninguém está nem aí para isso. A
começar pelos intelectuais, professores, artistas e integrantes de
grande parte do Poder Judiciário. O combate à corrupção é (quase) uma
farsa”.
Da suposição à farsa incompleta, passamos da pretensão
filosófica ao fácil profetismo no escorregar de poucas linhas. Com
efeito, isto é apenas a consequência de quem escolheu não argumentar,
mas manobrar uma estrutura imaginária de tipo supersticiosa. É, pois,
uma arcaica, porém não inatual, estrutura teológico-política que dá sentido ao texto de nosso suposto filósofo.
Assim
seu leitor, alçado à posição de quem não irá pensar por si, ou mesmo
raciocinar com o autor, transforma-se em mero espectador da distopia
filosoficamente pobre de Pondé: sua longa descrição profética sobre os
mais diversos setores da sociedade civil e instituições. Algo que não se
pode nem mesmo comentar aqui, já que sendo o quadro de uma suposição
que começa pelo apelo ao absurdo, deve ser posta na conta da
criatividade do autor. Como não se trata de argumentação, julgue por si
nosso leitor se a inventividade do autor foi boa ao traçar tão singular
quadro. Ao fim, confirma-se que não há propriamente uma distopia, já que
tal seria o único estilo textual possível para enquadrar o texto-coluna
de Pondé: trata-se mesmo de miopia.
Pondé confirma-a na sentença
áurea que encerra sua profecia, ou melhor sua coluna: “Depressão,
ressentimento, medo e vingança serão os afetos que definirão 2019”.
Vê-se, pois, que além de abandonarmos a suposição de que Pondé seria
filósofo, nem podemos conjecturar que ele seja um bom cronista do
presente, mesmo quando se põe a falar do futuro. Há de se perguntar: em
que mundo vive Pondé, nosso suposto filósofo? Não são estes os
sentimentos que hoje dominam o tecido social: depressão, ressentimento,
medo e vingança? Ao fim, só nos resta supor de novo, num exercício de
boa vontade: e se Pondé fosse filósofo?
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* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP. Mestre em
Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal de Ouro Preto,
UFOP.
Fonte: https://outraspalavras.net/destaques/e-se-felipe-ponde-fosse-filosofo/ 11/01/2018
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