quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Deneuve, a bela de sempre

Juremir Machado da Silva*
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 Catherine Deneuve

 Vivemos muitos anos em Montparnasse, em Paris.

Em dez minutos caminhando estávamos em Saint-Sulpice, onde Catherine Deneuve mora. Íamos até lá para avistá-la. Uma vez, batalhei uma entrevista com ela no Festival de Cinema de Cannes, que eu cobria como correspondente internacional. Poucas vezes vi uma mulher tão deslumbrante e segura de si. Franceses adoram polêmica. Todo ano tem alguma muito forte. Neste começo de 2018 foi o manifesto das mulheres, encabeçado por Deneuve, contrariando a turma das atrizes americanas lideradas por Oprah Winfrey que, na cerimônia do Globo de Ouro, subiram o tom contra o assédio sexual e todas as formas masculinas de constrangimento.

Catherine Deneuve e sua turma saíram em defesa da paquera e da sedução.

No popular, defenderam o direito à cantada malsucedida. Danuza Leão fez eco no Brasil ao coro das francesas. Muitos conservadores aplaudiram Deneuve na base do “esse politicamente correto está demais, não se pode brincar com cor ou sexo que alguém se ofende”. Ela tratou de separar os tipos de queijo: “Aos conservadores, racistas e tradicionalistas que estrategicamente me deram apoio, saibam que vocês não terão nem minha gratidão, nem minha amizade, ao contrário”. Mais: “Sou e vou continuar a ser uma mulher livre. Meu cumprimento fraterno vai para todas as vítimas de atos odiosos que puderam ter se sentido agredidas pela carta publicada no jornal Le Monde. É somente a elas que apresento minhas desculpas”. Au revoir!

Conversei longamente por skype com o filósofo Gilles Lipovetsky, especialista do luxo, da moda e dos comportamentos hipermodernos, que acaba de lançar “Plaire et toucher, essai sur la société de séduction”, ainda não traduzido para o Brasil. Gilles está convencido de que o chamado politicamente correto não ameaça as liberdades sexuais conquistadas a partir de maio de 1968. Para ele, as mulheres nem pensam em retroceder. Querem apenas dar mais um passo à frente e calibrar as regras do jogo. Caçador de paradoxos, Lipovetsky formula mais um: “Nunca a violência sexual foi menor do que agora. Por isso mesmo todo ato considerado inadequado se tornou insuportável”. Ao dizer que a violência atual é a menor de todos os tempos ele não pretende minimizar o fenômeno, mas destacar que no passado era pior.

A sedução não vai morrer, garante Gilles. Vai mudar. Há homens que ainda não entenderam isso. Certas piadas não fazem mais rir. Posso ver Catherine Deneuve em “Bela da tarde”, o extraordinário filme de Luís Buñuel, que a consagrou, possa vê-la deslumbrante no tapete vermelho de Cannes, possa vê-la, em minhas lembranças, passeando como uma mulher comum no magnífico cenário à frente da igreja Saint-Sulpice. Gosto de saber que ela continua glacial na sua autonomia: diz o que pensa e sustenta. Sem fazer concessões aos oportunistas. No confronto entre Oprah e Deneuve, Oprah levou a melhor. Não precisou se explicar nem se desculpar. Ambas têm razão. Mas as razões da americana não podem ser apropriadas pelos seus inimigos. Perdão, Catherine.

O tempo de dizer certas coisas nem sempre é o tempo da própria justeza.

Deneuve e amigas erraram o momento.

Acertaram na polêmica, que está correndo mundo.
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*  Jornalista. Graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado. 
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/01/10541/deneuve-a-bela-de-sempre/
Imagem da Internet

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