Catherine
Deneuve
Vivemos muitos anos em Montparnasse, em Paris.
Em dez minutos caminhando estávamos em Saint-Sulpice, onde Catherine
Deneuve mora. Íamos até lá para avistá-la. Uma vez, batalhei uma
entrevista com ela no Festival de Cinema de Cannes, que eu cobria como
correspondente internacional. Poucas vezes vi uma mulher tão
deslumbrante e segura de si. Franceses adoram polêmica. Todo ano tem
alguma muito forte. Neste começo de 2018 foi o manifesto das mulheres,
encabeçado por Deneuve, contrariando a turma das atrizes americanas
lideradas por Oprah Winfrey que, na cerimônia do Globo de Ouro, subiram o
tom contra o assédio sexual e todas as formas masculinas de
constrangimento.
Catherine Deneuve e sua turma saíram em defesa da paquera e da sedução.
No popular, defenderam o direito à cantada malsucedida. Danuza Leão
fez eco no Brasil ao coro das francesas. Muitos conservadores aplaudiram
Deneuve na base do “esse politicamente correto está demais, não se pode
brincar com cor ou sexo que alguém se ofende”. Ela tratou de separar os
tipos de queijo: “Aos conservadores, racistas e tradicionalistas que
estrategicamente me deram apoio, saibam que vocês não terão nem minha
gratidão, nem minha amizade, ao contrário”. Mais: “Sou e vou continuar a
ser uma mulher livre. Meu cumprimento fraterno vai para todas as
vítimas de atos odiosos que puderam ter se sentido agredidas pela carta
publicada no jornal Le Monde. É somente a elas que apresento minhas desculpas”. Au revoir!
Conversei longamente por skype com o filósofo Gilles Lipovetsky,
especialista do luxo, da moda e dos comportamentos hipermodernos, que
acaba de lançar “Plaire et toucher, essai sur la société de séduction”,
ainda não traduzido para o Brasil. Gilles está convencido de que o
chamado politicamente correto não ameaça as liberdades sexuais
conquistadas a partir de maio de 1968. Para ele, as mulheres nem pensam
em retroceder. Querem apenas dar mais um passo à frente e calibrar as
regras do jogo. Caçador de paradoxos, Lipovetsky formula mais um: “Nunca
a violência sexual foi menor do que agora. Por isso mesmo todo ato
considerado inadequado se tornou insuportável”. Ao dizer que a violência
atual é a menor de todos os tempos ele não pretende minimizar o
fenômeno, mas destacar que no passado era pior.
A sedução não vai morrer, garante Gilles. Vai mudar. Há homens que
ainda não entenderam isso. Certas piadas não fazem mais rir. Posso ver
Catherine Deneuve em “Bela da tarde”, o extraordinário filme de Luís
Buñuel, que a consagrou, possa vê-la deslumbrante no tapete vermelho de
Cannes, possa vê-la, em minhas lembranças, passeando como uma mulher
comum no magnífico cenário à frente da igreja Saint-Sulpice. Gosto de
saber que ela continua glacial na sua autonomia: diz o que pensa e
sustenta. Sem fazer concessões aos oportunistas. No confronto entre
Oprah e Deneuve, Oprah levou a melhor. Não precisou se explicar nem se
desculpar. Ambas têm razão. Mas as razões da americana não podem ser
apropriadas pelos seus inimigos. Perdão, Catherine.
O tempo de dizer certas coisas nem sempre é o tempo da própria justeza.
Deneuve e amigas erraram o momento.
Acertaram na polêmica, que está correndo mundo.
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* Jornalista. Graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em
Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos
Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também
chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o
Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na
Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/01/10541/deneuve-a-bela-de-sempre/
Imagem da Internet
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