quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O Brasil e os sete pecados capitais


Flávio Aguiar*

"Se há uma disposição de ânimo que vem movendo esta inclinação conservadora que hoje impera mundo afora, é a do ressentimento. Este encontra o seu correlato na hipocrisia que domina o estilo dos políticos que tentam se afinar com ele. Mas além desta dupla quase musical, Ressentimento & Hipocrisia, há outros sentimentos movendo os moinhos de hoje. E são ligados, descobri, aos antigos Sete Pecados Capitais da tradição cristã."



Se há uma disposição de ânimo que vem movendo esta inclinação conservadora que hoje impera mundo afora, é a do ressentimento. Este encontra o seu correlato na hipocrisia que domina o estilo dos políticos que tentam se afinar com ele. Foi o ressentimento dos que se julgam prejudicados pela “invasão” dos “alienígenas” que instruiu boa parte da votação vitoriosa no Brexit, no Reino Unido. Foi ele que insuflou a votação em Trump, por parte da classe média baixa e branca, nos EUA. Foi ele que motivou os coxinhas a irem para a rua contra Dilma Rousseff a partir de 2013. Hipocrisia é o estilo de Trump; de Temer et caterva; ou dá para acreditar na “sinceridade” do presidente penteado à Glostora quando diz que tudo vai bem no país, idem em Meirelles, Padilha, Cristina Brasil, etc., etc., e ponhamos etc. nisto. Dá pra acreditar na sinceridade de jornalões que promovem o Huck, ou colocam a foto das caixas de dinheiro do Geddel embaixo de uma manchete que fala do Lula e da Dilma, por exemplo? Acredite se for pandorga.


Mas além desta dupla quase musical, Ressentimento & Hipocrisia, há outros sentimentos movendo os moinhos de hoje. E são ligados, descobri, aos antigos Sete Pecados Capitais da tradição cristã. Senão, vejamos:
I.
A Ira, o Ódio. É evidente que grande parte dos coxinhas de 2013, 14, 15 e 16, hoje com o rabo e as panelas entre as pernas, foram movidos pelo ódio aos pobres, e o ódio às políticas que favoreciam os despossuídos, bem como a diminuição das aberrantes diferenças sociais que caracterizam o Brasil e a América Latina como um todo, da qual fazemos parte. Certas frases ficaram gravadas para a posteridade: “Aeroporto é para rico”; “Por que tenho de pagar saleiro mínimo para a empregada?”. Além disto, há o permanente ódio a Lula, assim como houve o ódio a Vargas – não por ser este autoritário, mas por se arvorar a “Pai dos Pobres” – e a João Goulart – não pela inépcia, mas pelas reformas de base.
II.
A Inveja. O ódio é irmão da Inveja. Aquela que quer o que é de outrem. Os pobres foram beneficiados demais nos últimos anos. Então vamos tomar deles o que “por direito de nascença” é “nosso”. É o pecado que confunde “direito” com “privilégio” e status com “casta”. Qualquer direito conquistado por “outrem” é uma ameaça ao “meu”, ou seja, o “meu privilégio de ter direitos”. A inveja se dirige assim contra, em geral, “minorias”: mulheres (que não são “minoria”), negros (idem), homossexuais, lésbicas, índios… é o complemento ideal para o ressentimento. E é claro que há uma enorme inveja em relação ao Lula, este “pobre” que “chegou onde não deveria chegar” e é amado pelas multidões. Com Cristo não foi diferente, na legenda dos Evangelhos. A Inveja é a melhor criadora de mártires que há.
III.
A Gula. É só ver a sofreguidão com que Temer e seus asseclas, PSDBês inclusos, se atiraram sobre tudo, as verbas públicas, o pré-sal, a Petrobras, os direitos trabalhistas, etc. Perderam completamente a vergonha diante do botim que tinham pela frente, e animados pela proteção da mídia e do Judiciário.
IV.
A Avareza. Este pecado complementa a Gula. Não querem abrir mão de nada: cargos, pacotes e caixotes de dinheiro em casa, fundos em paraísos fiscais, a exclusividade por parte dos coxinhas de fazerem compras nos supermercados de Miami, enfim… Toda esta exposição de mau gosto que caracteriza boa parte das “élites” brasileiras…
V.
A Luxúria. Erram os que pensam que este pecado se refere apenas ao sexo. Ele se refere na verdade, ao império destravado dos “baixos instintos”. Convenhamos: instinto que é instinto não é baixo nem alto, ele simplesmente é. Como a busca da comida diante da fome. Mas há um “baixo instinto”: aquele que se compraz na dor alheia. Esta chusma que tomou conta do governo brasileiro e arredores prima pela maldade. São maus e más. No dizer do profeta Isaias, não se comovem com o pranto da viúva nem do órfão. Ao contrário, a começar pelos seus arautos na mídia, que promoveram o golpe e o ódio às esquerdas e ao povo, se comprazem na função de promover a desgraça e o desacorçoo do país.
VI.
A Preguiça. Ah, este pecado é muito complicado. Porque existe uma preguiça que é boa. A de Macunaíma, por exemplo (ai! que preguiça!), que faz tudo errado por causa dela mas no fim dá tudo certo, ate sua morte porque vira estrela. Ou como o ócio para os filósofos gregos. Na linguagem destes ócio era “skhole”, de onde veio a palavra latina “schola”, que derivou no português “escola”, no espanhol “escuela” e no inglês “scholar”, que quer dizer “erudito”. Ou seja, o ócio era fundamental para se aprender algo através do diálogo. Mas há um significado pernicioso da preguiça, que envolve o desprezo pelos outros. É o que faz com que as pessoas não queiram fazer direito o seu trabalho, ou dever. Exemplo: um procurador vai à TV e exibe um power point canhestro, ridículo, mal feito nas coxas, querendo com isto atacar o ex-presidente que é seu alvo, achando que está abafando a banca. Ou uma penca de juízes, se apoiando em doutrinas mal lidas e mal digeridas, dispensando a laboriosa busca de provas nos inquéritos, condenando e prendendo em nome apenas das próprias “convicções”. Aqui retornamos ao tema da hipocrisia. Frase atribuída a Goebbles diz que se deve repetir uma mentira tantas vezes até que vire verdade; isto é de fato verdadeiro, pelo menos em relação a quem repete a mentira.
VII.
Finalmente, a Soberba. Este é a mãe, o pai, o tio, a vó de todos os outros pecados. São os juízes, os procuradores, os jornalistas, os policiais, os curas que renegam a virtude da caridade, os políticos que se entregam à cupidez da própria Gula, da Inveja, da Luxúria, que se julgam “melhores do que os outros”. Daí vem o juiz que dispensa as provas: por que ele as precisaria, se é um “enviado”, ele mesmo um “messias”, alguém que se dá o direito de aconselhar – com a esposa de quebra – em quem se deva votar e em quem não, não como um arrazoado, mas como uma manifestação de “autoridade”. Daí vem o bando de procuradores que tiram uma foto como se fossem os Intocáveis de Eliot Ness, a “Liga da Justiça” dos super-heróis de araque, quando são na verdade apenas “os intragáveis”. E assim por diante…

Enfim, pecados há de sobra. Deste da Soberba não escapam nem mesmo figuras da extrema-esquerda (não são todas, óbvio) que manifestam seu ressentimento porque Lula não fez a revolução que elas queriam que fosse feita, um estranho caso de narcisismo… Mas isto é assunto para a próxima crônica.

***
Flávio Aguiar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária, ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999), publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Fonte:  https://blogdaboitempo.com.br/2018/01/11/o-brasil-e-os-sete-pecados-capitais/

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