Flávio Aguiar*
"Se há uma disposição de ânimo que vem movendo esta inclinação conservadora que hoje impera mundo afora, é a do ressentimento. Este encontra o seu correlato na hipocrisia que domina o estilo dos políticos que tentam se afinar com ele. Mas além desta dupla quase musical, Ressentimento & Hipocrisia, há outros sentimentos movendo os moinhos de hoje. E são ligados, descobri, aos antigos Sete Pecados Capitais da tradição cristã."
Se há uma disposição de ânimo que vem
movendo esta inclinação conservadora que hoje impera mundo afora, é a do
ressentimento. Este encontra o seu correlato na hipocrisia que domina o
estilo dos políticos que tentam se afinar com ele. Foi o ressentimento
dos que se julgam prejudicados pela “invasão” dos “alienígenas” que
instruiu boa parte da votação vitoriosa no Brexit, no Reino Unido. Foi
ele que insuflou a votação em Trump, por parte da classe média baixa e
branca, nos EUA. Foi ele que motivou os coxinhas a irem para a rua
contra Dilma Rousseff a partir de 2013. Hipocrisia é o estilo de Trump;
de Temer et caterva; ou dá para acreditar na “sinceridade” do presidente
penteado à Glostora quando diz que tudo vai bem no país, idem em
Meirelles, Padilha, Cristina Brasil, etc., etc., e ponhamos etc. nisto.
Dá pra acreditar na sinceridade de jornalões que promovem o Huck, ou
colocam a foto das caixas de dinheiro do Geddel embaixo de uma manchete
que fala do Lula e da Dilma, por exemplo? Acredite se for pandorga.
Mas além desta dupla quase musical,
Ressentimento & Hipocrisia, há outros sentimentos movendo os moinhos
de hoje. E são ligados, descobri, aos antigos Sete Pecados Capitais da
tradição cristã. Senão, vejamos:
I.
A Ira, o Ódio.
É evidente que grande parte dos coxinhas de 2013, 14, 15 e 16, hoje com
o rabo e as panelas entre as pernas, foram movidos pelo ódio aos
pobres, e o ódio às políticas que favoreciam os despossuídos, bem como a
diminuição das aberrantes diferenças sociais que caracterizam o Brasil e
a América Latina como um todo, da qual fazemos parte. Certas frases
ficaram gravadas para a posteridade: “Aeroporto é para rico”; “Por que
tenho de pagar saleiro mínimo para a empregada?”. Além disto, há o
permanente ódio a Lula, assim como houve o ódio a Vargas – não por ser
este autoritário, mas por se arvorar a “Pai dos Pobres” – e a João
Goulart – não pela inépcia, mas pelas reformas de base.
II.
A Inveja.
O ódio é irmão da Inveja. Aquela que quer o que é de outrem. Os pobres
foram beneficiados demais nos últimos anos. Então vamos tomar deles o
que “por direito de nascença” é “nosso”. É o pecado que confunde
“direito” com “privilégio” e status com “casta”. Qualquer direito
conquistado por “outrem” é uma ameaça ao “meu”, ou seja, o “meu
privilégio de ter direitos”. A inveja se dirige assim contra, em geral,
“minorias”: mulheres (que não são “minoria”), negros (idem),
homossexuais, lésbicas, índios… é o complemento ideal para o
ressentimento. E é claro que há uma enorme inveja em relação ao Lula,
este “pobre” que “chegou onde não deveria chegar” e é amado pelas
multidões. Com Cristo não foi diferente, na legenda dos Evangelhos. A
Inveja é a melhor criadora de mártires que há.
III.
A Gula.
É só ver a sofreguidão com que Temer e seus asseclas, PSDBês inclusos,
se atiraram sobre tudo, as verbas públicas, o pré-sal, a Petrobras, os
direitos trabalhistas, etc. Perderam completamente a vergonha diante do
botim que tinham pela frente, e animados pela proteção da mídia e do
Judiciário.
IV.
A Avareza.
Este pecado complementa a Gula. Não querem abrir mão de nada: cargos,
pacotes e caixotes de dinheiro em casa, fundos em paraísos fiscais, a
exclusividade por parte dos coxinhas de fazerem compras nos
supermercados de Miami, enfim… Toda esta exposição de mau gosto que
caracteriza boa parte das “élites” brasileiras…
V.
A Luxúria.
Erram os que pensam que este pecado se refere apenas ao sexo. Ele se
refere na verdade, ao império destravado dos “baixos instintos”.
Convenhamos: instinto que é instinto não é baixo nem alto, ele
simplesmente é. Como a busca da comida diante da fome.
Mas há um “baixo instinto”: aquele que se compraz na dor alheia. Esta
chusma que tomou conta do governo brasileiro e arredores prima pela
maldade. São maus e más. No dizer do profeta Isaias, não se comovem com o
pranto da viúva nem do órfão. Ao contrário, a começar pelos seus
arautos na mídia, que promoveram o golpe e o ódio às esquerdas e ao
povo, se comprazem na função de promover a desgraça e o desacorçoo do
país.
VI.
A Preguiça.
Ah, este pecado é muito complicado. Porque existe uma preguiça que é
boa. A de Macunaíma, por exemplo (ai! que preguiça!), que faz tudo
errado por causa dela mas no fim dá tudo certo, ate sua morte porque
vira estrela. Ou como o ócio para os filósofos gregos. Na linguagem
destes ócio era “skhole”, de onde veio a palavra latina “schola”, que derivou no português “escola”, no espanhol “escuela”
e no inglês “scholar”, que quer dizer “erudito”. Ou seja, o ócio era
fundamental para se aprender algo através do diálogo. Mas há um
significado pernicioso da preguiça, que envolve o desprezo pelos outros.
É o que faz com que as pessoas não queiram fazer direito o seu
trabalho, ou dever. Exemplo: um procurador vai à TV e exibe um power point
canhestro, ridículo, mal feito nas coxas, querendo com isto atacar o
ex-presidente que é seu alvo, achando que está abafando a banca. Ou uma
penca de juízes, se apoiando em doutrinas mal lidas e mal digeridas,
dispensando a laboriosa busca de provas nos inquéritos, condenando e
prendendo em nome apenas das próprias “convicções”. Aqui retornamos ao
tema da hipocrisia. Frase atribuída a Goebbles diz que se deve repetir
uma mentira tantas vezes até que vire verdade; isto é de fato
verdadeiro, pelo menos em relação a quem repete a mentira.
VII.
Finalmente, a Soberba.
Este é a mãe, o pai, o tio, a vó de todos os outros pecados. São os
juízes, os procuradores, os jornalistas, os policiais, os curas que
renegam a virtude da caridade, os políticos que se entregam à cupidez da
própria Gula, da Inveja, da Luxúria, que se julgam “melhores do que os
outros”. Daí vem o juiz que dispensa as provas: por que ele as
precisaria, se é um “enviado”, ele mesmo um “messias”, alguém que se dá o
direito de aconselhar – com a esposa de quebra – em quem se deva votar e
em quem não, não como um arrazoado, mas como uma manifestação de
“autoridade”. Daí vem o bando de procuradores que tiram uma foto como se
fossem os Intocáveis de Eliot Ness, a “Liga da Justiça” dos
super-heróis de araque, quando são na verdade apenas “os intragáveis”. E
assim por diante…
Enfim, pecados há de sobra. Deste da
Soberba não escapam nem mesmo figuras da extrema-esquerda (não são
todas, óbvio) que manifestam seu ressentimento porque Lula não fez a
revolução que elas queriam que fosse feita, um estranho caso de
narcisismo… Mas isto é assunto para a próxima crônica.
***
Flávio Aguiar nasceu
em Porto Alegre (RS), em 1947, e reside atualmente na Alemanha, onde
atua como correspondente para publicações brasileiras. Pesquisador e
professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da USP, tem mais de trinta livros de crítica literária,
ficção e poesia publicados. Ganhou por três vezes o prêmio Jabuti da
Câmara Brasileira do Livro, sendo um deles com o romance Anita (1999),
publicado pela Boitempo Editorial. Também pela Boitempo, publicou a
coletânea de textos que tematizam a escola e o aprendizado, A escola e a letra (2009), finalista do Prêmio Jabuti, Crônicas do mundo ao revés (2011) e o recente lançamento A Bíblia segundo Beliel (2012). Seu mais novo livro é O legado de Capitu, publicado em versão eletrônica (e-book). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras.
Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2018/01/11/o-brasil-e-os-sete-pecados-capitais/
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