quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Giannetti defende reforma em 2019 e Petrobras privada


 Resultado de imagem para Roberto Giannetti da Fonseca/ Valor economico
O Roberto Campos [economista e ex-ministro do 
Planejamento no regime militar] já dizia há mais 
de 30 anos: "O povo brasileiro quer o governo 
investindo em mais e melhores redes de postos 
de saúde, e não em rede de postos 
de gasolina!"

Uma proposta de ampla reforma da Previdência nos primeiros meses de 2019, usando "logo de cara" o capital político do novo governo. Transformação da Petrobras em uma "corporação pura", com ações pulverizadas em Bolsa e mantendo "golden share" nas mãos da União, no horizonte do próximo mandato presidencial. Possibilidade de taxação sobre a entrada de dólares com características especulativas para evitar bolhas, manipulação intencional do câmbio ou volatilidade excessiva no valor do real.

Essas ideias são defendidas pelo economista e empresário Roberto Giannetti da Fonseca, que tem conversado semanalmente com o tucano Geraldo Alckmin, favorito para assumir a candidatura do PSDB ao Palácio doPlanalto. A pedido do governador paulista e presidenciável, ele iniciou discussões com outras figuras influentes no mercado sobre posicionamentos em política econômica, que devem servir para "animar o debate entre os integrantes de sua assessoria como pré-candidato", conforme as suas palavras.

Giannetti, que foi secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no governo FHC e diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), atua como consultor de grandes empresas exportadoras e investidores estrangeiros no Brasil. Ele se classifica como um "liberal moderado" e diz que as afirmações desta entrevista expressam apenas sua opinião pessoal, mas que "em grandes linhas coincide com o pensamento" de Alckmin sobre a economia.

Além de Giannetti, outros três economistas, como Persio Arida e José Roberto Mendonça de Barros também conversam com o governador. Caso Alckmin vença as prévias do PSDB, um documento sobre posicionamentos do futuro candidato deve ser lançado em março com uma diretriz geral: "A obsessiva geração de empregos e um programa contundente de inclusão social e distribuição de renda, em ambos casos resultando num substantivo incremento da demanda das famílias, e do investimento produtivo pelo setor privado". Leia os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: Há muita hesitação no meio político quanto à capacidade de Alckmin unir os partidos de centro e se viabilizar como candidato competitivo nas eleições. Como ele poderia superar esses desafios?
Roberto Giannetti da Fonseca: Colocando de lado minha admiração pessoal pelo cidadão Geraldo Alckmin, que é um homem de hábitos simples e de caráter íntegro, vejo nele também as qualidades políticas de um negociador hábil e conciliador de interesses divergentes, de eficiente gestor, com responsabilidade e experiência comprovada, de comportamento austero e visão estratégica. Ele não é um político carismático, de fazer discursos empolgantes, demagógicos e dramáticos, como outros populistas da direita e da esquerda, mas sim aquele que saberá conquistar a simpatia dos eleitores pela sinceridade, autenticidade e pelo compromisso público com suas promessas de campanha.

Valor: Mas nenhuma das virtudes que o senhor enumera se transforma necessariamente em votos...
Giannetti: Vejo as pesquisas como um retrato instantâneo e fora de foco, que pouco revelam sobre a real situação eleitoral dos candidatos. Se considerarmos só o eleitorado cativo do governador Alckmin no Estado de São Paulo, ele já teria a seu favor cerca de 10% dos votos nacionais. Se somados ao prestígio que ele tem nos Estados do Sul, outros 5% poderiam de saída ser adicionados à sua figura. O desafio será lançar, logo mais, um discurso em nível nacional para conquistar o eleitorado de Minas, Rio e Estados do Nordeste onde ele é pouco conhecido ainda. Imagino assim que ele chegará bem posicionado no segundo turno, com ou sem Lula no páreo, e vencerá o candidato da esquerda populista na reta final, seja quem for, na minha opinião com mais de dez pontos percentuais de vantagem. A rivalidade que veremos na campanha será entre o populismo demagógico e divisionista e a nova política de moderação, conciliação e responsabilidade. Entre a aventura de promessas inexequíveis e o realismo da boa política econômica para a geração de empregos e renda para a população brasileira. Sou otimista e acredito que a população saberá escolher seu presidente com sabedoria, mesmo sabendo que também a democracia às vezes falha e nos decepciona.

Podemos ter a Petrobras como corporação pura, com capital disseminado
 em Bolsa e golden share perpétua

Valor: Nas eleições de 2006, um dos temas de destaque foram as privatizações. E o discurso do candidato Geraldo Alckmin foi derrotado para uma proposta mais intervencionista. O que há de diferente agora para avançar nessa agenda?
Giannetti: Em 2006, o PT demonizou as privatizações como algo maléfico, contra o interesse nacional. E veja no que deu: eles arruinaram as empresas estatais, seja pela corrupção sistêmica, seja pela inépcia administrativa. É um absurdo o governo brasileiro ainda manter 149 empresas sob seu controle, imobilizando enorme volume de recursos públicos em atividades típicas do setor privado. A capacidade de ampliar o volume de investimentos dessas empresas passa necessariamente por um amplo programa de privatizações, que em parte já se iniciou em 2017, mas pode e deve ser ampliado muito a curto prazo. Existem pelo menos duas razões que não eram aparentes, naquela campanha, para que um vigoroso programa de privatizações ocorra no futuro próximo. Em primeiro lugar, o investimento das empresas públicas federais - incluindo Petrobras e Eletrobras - despencou. No ano passado, de janeiro a setembro, foram apenas R$ 30,3 bilhões. Para termos uma comparação, o investimento no mesmo período foi de R$ 85 bilhões em 2014, quando atingiu o pico. A única forma de aumentar o volume de investimentos das estatais nos próximos anos será buscando capitais privados, seja pela venda integral dos ativos, seja com operações no mercado de capitais. O segundo motivo é a necessidade de equilíbrio fiscal dos governos federal e estaduais. Isso está cada vez mais óbvia na cabeça de qualquer governante minimamente racional. O Roberto Campos [economista e ex-ministro do Planejamento no regime militar] já dizia há mais de 30 anos: "O povo brasileiro quer o governo investindo em mais e melhores redes de postos de saúde, e não em rede de postos de gasolina!".

Valor: Se a Eletrobrás não puder ser privatizada ainda durante o governo Temer, vê a possibilidade de isso acontecer em 2019? É tabu falar sobre privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa?
Giannetti: Obviamente há casos mais sensíveis e cada estatal de maior relevância merece ser tratada de forma específica. É o caso da Petrobras. A privatização da Eletrobras e de algumas subsidiárias importantes da Petrobras deve se constituir em fator imediato de alívio ao atual investimento público, bem como na possibilidade de geração de receitas extraordinárias para as contas públicas em 2018 e 2019. Já a Petrobrás S.A., propriamente dita, acho que sua possível privatização exigiria uma estratégia bem mais elaborada, de primeiro fortalecê-la financeiramente, com redução do endividamento, e depois consolidar um plano de governança interna para impedir casos de má gestão e de corrupção - pontos que a gestão do Pedro Parente já vem realizando com competência. Posteriormente, então, transformá-la numa corporação pura, com capital disseminado na Bolsa de Valores e "golden share" perpétua em poder do governo brasileiro, de forma a impedir qualquer tentativa de algum investidor obter seu controle ou interferir na sua governança. Não podemos admitir que se repitam casos escandalosos como aqueles revelados pela Lava-Jato.

Valor: Mas o senhor fala de uma operação envolvendo a Petrobras no horizonte do próximo governo?
Giannetti: Sim, não há motivo para evitar essa discussão, desde que seja com esses requisitos - capital pulverizado e preservação de uma "golden share", que é importantíssima. A Petrobras precisa ser uma empresa brasileira, não do governo brasileiro.

Valor:
E quanto ao BB e Caixa?
Giannetti: Seria preciso avaliar primeiro como transferir as atividades de políticas publicas como o financiamento rural e de habitações para o sistema financeiro privado. Caso isso seja realizado de forma satisfatória, o importante para o setor financeiro é aumentar o nível de concorrência entre os bancos privados, já que temos um ambiente concorrencial muito estreito e concentrado. O crédito bancário no Brasil continua restritivo, escasso e caro, servindo como fator inibidor de investimentos e de consumo.

Valor: Há consenso no mercado sobre a necessidade de uma reforma da Previdência, mas a proposta do governo Temer foi bastante desidratada para votá-la em ano eleitoral. Isso torna necessária a apresentação de nova proposta em 2019?
Giannetti: Sem reforma da Previdência e algum controle sobre a folha salarial das corporações, será impossível alterar a trajetória explosiva da dívida pública. A questão central é se essas reformas poderão ser feitas ou não em duas etapas, uma primeira mais contida (só com idade mínima e regra de transição) e outra mais robusta após as eleições. O ideal teria sido que uma abrangente reforma previdenciária tivesse sido aprovada logo depois da posse do presidente Michel Temer. Houve um grave erro estratégico em se aprovar primeiro o teto de gastos do setor público e deixar a reforma previdenciária para depois. Como o déficit da Previdência se eleva ano a ano bem acima da inflação, ele vai sequestrar recursos da saúde, educação e segurança pública, colocando em risco serviços públicos essenciais. Seria preferível, a esta altura, deixar que o novo governo instalado em 2019, com o cacife eleitoral restabelecido, propusesse logo de cara essa reforma essencial, de forma a eliminar todos privilégios insustentáveis, corrigir a questão etária para a realidade demográfica brasileira atual e futura, além de proporcionar uma fase de transição das reformas que permita sua aceitação pela maioria da população e do novo Congresso.

Valor: Melhor, então, desistir de votar a reforma em fevereiro, como deseja o presidente Temer?
Giannetti: Já houve tantas concessões para aprovar essa reforma que outra mudança das regras de aposentadorias será necessária de qualquer forma. O risco, com uma aprovação agora, é de os meios políticos darem uma relaxada. Essa reforma se faz com o capital político de um mandato novo, nos seis primeiros meses, quando o poder de mobilização do presidente é maior. Ou reformamos a Previdência já em 2019, para uma base atuarial sustentável a longo prazo, ou estaremos incorrendo em imperdoável equívoco fiscal que custará muito caro no futuro próximo, com a provável falência da Previdência e do Tesouro Nacional. Sem reforma, a dívida bruta chegará a 92% do PIB em 2021 [hoje está em 74,4%], uma trajetória que aumenta significativamente o risco de "default" do governo federal neste período próximo.

Flexibilização da regra de ouro é vital para evitar colapso logo no início do novo governo; 
quanto antes se resolver, melhor

Valor: A inflação está terminando o ano abaixo do piso da meta para 2017. Acredita que o próximo governo poderia trabalhar com metas mais baixas ou isso poderia travar a condução da política monetária?
Giannetti: A queda da inflação em 2017 surpreendeu positivamente a todos. E, para 2018, estima-se que vai ficar próxima de 4%, salvo alguma turbulência inesperada. Hoje seria difícil fazer um prognóstico responsável para 2019, mas qualquer governante responsável deverá preservar o regime de metas de inflação e praticar uma rigorosa harmonização das políticas fiscal e monetária para gerar confiança nas metas pré-fixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Só não se pode colocar toda a responsabilidade pela estabilidade inflacionária nos instrumentos de política monetária, ou seja, taxa de juros e volume de crédito, e muito menos se recorrer ao atalho da valorização artificial do câmbio para combater a inflação. Cada vez mais, no Brasil, temos que exigir uma política fiscal mais rigorosa e que colabore no esforço da estabilidade monetária.

Valor: O senhor tem sido um crítico contumaz das altas taxas de juros e do real sobrevalorizado. Vê a necessidade de uma moeda propositadamente mais fraca como estímulo às exportações industriais?
Giannetti: Vamos deixar claro, em primeiro lugar, que o regime cambial desejável é o flutuante, e que seja competitivo, sem viés sistêmico de sub ou sobrevalorização, e com baixa volatilidade. Por conta do diferencial da taxa de juros entre o mercado brasileiro e o mercado internacional, os agentes econômicos praticam em larga escala as operações
de arbitragem de juros, tomando a posição de venda de centenas de bilhões de dólares e de compra de reais equivalentes. Essa prática determina uma forte correlação entre as taxas de juros e de câmbio, de forma que quanto maior o diferencial de arbitragem entre as taxas de juros internas e externas, maior será o volume de "carry trade" e maior a pressão no sentido de apreciação do câmbio no mercado á vista. O volume transacionado no mercado de câmbio futuro, nos últimos dez anos, tem sido de cinco a dez vezes superior ao do mercado à vista. Isso traz uma disfunção sistêmica. A repercussão desse viés de sobrevalorização cambial na economia brasileira se materializa na redução da competitividade de bens comercializáveis. Exportações brasileiras de manufaturados menos competitivas e importações mais baratas são efeitos perversos dessa atual conjuntura do mercado cambial brasileiro.

Valor: E o que fazer?
Giannetti: Existe a possibilidade de imposição de eventuais controles no fluxo financeiro com natureza especulativa. A forma de exercício desses controles pode-se dar, preferencialmente, por alguma taxação tributária em posições de mercado cambial com características especulativas ou nocivas à economia nacional. A motivação seria exatamente de caráter preventivo e prudencial para se evitar bolhas especulativas, manipulação intencional da taxa de câmbio ou ainda o risco de súbita volatilidade excessiva. O próprio FMI tem recomendado prudência na política cambial a inúmeros países emergentes. E, no caso brasileiro, o Banco Central não tem sido diligente a esse respeito. Quanto maior o setor industrial de um país, menos vulnerável a choques externos ficará sua economia. A expansão industrial ainda tem sido elemento fundamental nos países em rápido crescimento, e se observamos com atenção na recente história econômica mundial, não houve nenhum caso contemporâneo de rápida ascensão de economias nacionais que não fosse suportada fundamentalmente por um processo vigoroso de expansão das exportações e da taxa de investimento nos setores produtivos da economia.

Valor: O Mercosul tem falhado na busca por acordos comerciais e ainda existem muitas barreiras no comércio intrabloco? Que revisões deve haver no funcionamento da união aduaneira?
Giannetti: Creio ter havido, no início da década de 90, uma excessiva ambição dos fundadores do Mercosul em aspirar de imediato a um regime de união aduaneira, sem qualquer previsão de convergência de políticas macroeconômicas que permitisse seu pleno funcionamento. Como resultado, convivemos há mais de 20 anos com um sistema de união aduaneira bastante imperfeito, seja pela existência de centenas de produtos em tarifas de exceção, inúmeras barreiras não tarifárias que ainda prejudicam o comércio intrarregional e uma resistência ou inércia na atividade de negociação de novos acordos comerciais, tornando o Mercosul um bloco regional isolado das grandes cadeias globais de valor. Portanto, deveríamos aproveitar o bom momento econômico e político de seus quatro sócios plenos [Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai] para avançar na nossa abertura econômica. A baixa produtividade da economia brasileira tem origem principalmente na difusão mais lenta de tecnologia moderna e nas distorções na alocação de recursos entre e dentro das empresa. A abertura gradual da economia brasileira - e do Mercosul - é uma tarefa inadiável. Cabe ao Brasil liderá-la e promovê-la.

Valor: O governo Temer articulou - e depois suspendeu - a discussão em torno de uma PEC flexibilizando a chamada "regra de ouro" até 2026. Qual é a sua opinião?
Giannetti: Tendo a concordar com o argumento do ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, de que em 2018 o problema da regra de ouro poderá ser resolvido por meio da antecipação de R$ 130 bilhões da dívida do BNDES com o Tesouro Nacional. Mas, para 2019, nada está assegurado nesse sentido. Quem estiver governando vai ter que enfrentar as restrições da regra de ouro porque não poderá mais emitir dívida e, consequentemente, haverá corte substancial de investimentos públicos. Portanto, a proposta sugerida de flexibilização temporária da regra inserida na PEC é de vital importância para não haver um colapso das contas públicas logo no início do próximo governo. É desgastante mudar uma regra que deveria ser firme e permanente. Mas, diante do fato concreto que se aproxima, não se pode esperar nenhum milagre e a flexibilização torna-se imperativa. Cabe examinar, em paralelo, se algumas outras receitas extraordinárias podem vir a ocorrer e minimizar a medida de quebra da regra. Quanto antes esse tema for enfrentado no Congresso Nacional e resolvido satisfatoriamente, menor a incerteza sobre as contas públicas em 2019.
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ReportagemPor Daniel Rittner/ de Brasília 
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