Luis Fernando Veríssimo*
Talvez
se encontrasse argumentos mais fortes a favor do tal “design”
inteligente por trás de tudo no Universo, segundo a tese
anti-evolucionista, não nos seus triunfos, mas nos seus fracassos. Por
exemplo: o que os salmões precisam fazer para terem direito a uma
família, subindo rios contra a correnteza com grande esforço para
chegarem ao seu local de origem e procriarem, é um típico projeto mal
pensado que já teria sido corrigido se a evolução fosse ao acaso, como
queria Darwin, e premiasse com a sobrevivência quem tivesse desenvolvido
um método mais simples de se reproduzir.
Como o dos salmões, há muitos outros casos de erros, contrassensos,
anomalias, esquecimentos – os mamilos masculinos, por exemplo, ou a
persistência das unhas do pé nos humanos, que não existiriam mais se
Darwin tivesse razão – atestando a existência de um “designer”
inteligente, só um pouco distraído.
Uma referência à “criação de Deus” que não estava na primeira edição de A origem das espécies de Darwin
foi acrescentada nas edições seguintes, uma tentativa dos editores de
atenuar a reação das igrejas cristãs à teoria revolucionária. Deve
continuar nas edições atuais. A reação nunca diminuiu. Nos Estados
Unidos, hoje, travam-se batalhas judiciais sobre a proibição de se
ensinar o evolucionismo, ou a obrigação de se ensinar o criacionismo
como alternativa ao evolucionismo, em redes escolares estaduais. O
fortalecimento político da direita religiosa americana devolveu à
questão o imediatismo que tinha no século 19, quando a teoria era nova.
Conceitos como o do “design” inteligente servem para atualizar pelo
menos o vocabulário dos que pregam uma interpretação literal da Bíblia.
Como a teoria do “design” não alude especificamente, só implicitamente, a
Deus como o criador, ela pode proporcionar um começo de diálogo.
Dizem que Darwin entrou no céu cristão, para a sua grande surpresa,
mas durante anos Deus recusou-se a recebê-lo até que ele reconhecesse
sua autoria das espécies, o que Darwin rechaçava. Agora já estariam
conversando. Os dois teriam feito concessões, abandonando suas
reivindicações radicais, e suas conversas começariam sempre com a frase
“Admitamos, como hipótese, que…”. A vida sexual dos salmões deve estar
sendo muito citada.
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* Escritor. Jornalista. Cronista
Fonte: http://www.extraclasse.org.br/edicoes/2017/12/darwin-no-ceu/
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