Zeynep Gambetti (*)
O filósofo francês Jean Baudrillard certa vez comparou o fascismo à
histeria em massa. Segundo ele, a demanda por poder que caracteriza o
fascismo reflete a falta de uma opção de saída nas sociedades
capitalistas tardias. Uma vez que se torna impossível conceber uma
ruptura radical com os rituais orquestrados pela mídia, as reações
antecipadas dos políticos, a lei da equivalência e a troca do mercado,
surge uma obsessão crítica pelo poder. A impotência generalizada gera o
desejo de jogar com a morte: a fabricação de estacas artificiais recria
os efeitos de poder, simulando o jogo da vida e da morte. Quando todos
os processos sociais se tornam meras repetições do mesmo, o fascismo
entra em ação para fornecer pseudo-satisfação e um sentido simulado de
domínio.
Podemos comprovar a validade dessas observações, dados os
desenvolvimentos recentes nos EUA, Itália, Turquia e agora no Brasil. A
noção realpolitik que nos ameaça está sendo reinventada por
políticos e movimentos reacionários. Mas os inimigos não são mais
potências estrangeiras que procuram nos invadir. A Guerra Fria terminou e
nossas sociedades não são mais ameaçadas por “guerras quentes”. Assim,
os inimigos agora são socialmente determinados: são aquelas pessoas cuja
presença e práticas cotidianas são consideradas como “anomalias” por
certos estratos da população que são incapazes de lamentar o poder que
eles não têm mais.
Eles não podem confrontar as verdadeiras contradições e problemas que
afligem nossas sociedades e privar a todos nós da capacidade de
determinar nossas próprias vidas. Eles se recusam a atacar as condições
neoliberais que criam atomização e massificação. Em vez disso, eles
estão dispostos a sacrificar uma parte da população,
responsabilizando-os por seu próprio fracasso.
O pobre, o imigrante, o corpo racializado, o assistente social, o
defensor dos direitos humanos, a feminista e o ativista LGBT se tornam
alvos de seu senso simulado de poder. Mas o que os consumidores
histéricos neste mercado de sinais de poder não percebem é que eles
estão prestes a cometer suicídio coletivo. As pessoas que eles designam
como “inimigos sociais” são as únicas capazes de reconstruir um
horizonte alternativo de emancipação. A ruptura real com a impotência
não está na política da morte anunciada por homens fortes populistas,
mas em unir nossas energias vitais para gerar poder a partir de baixo –
não uns contra os outros, mas uns com os outros.
----------------
(*) Zeynep Gambetti é Professora Associada de
Teoria Política na Universidade de Bogazicy, Istambul. Ela pesquisa o
pensamento de Hannah Arendt, história do pensamento político, teoria
política contemporânea, ética e política e movimentos sociais. Sua
pesquisa atual é A ordem neoliberal, violência e subjetividade. Está
lançando no Brasil o livro Agir em Tempos Sombrios, pela Editora Criação
Humana.
Fonte: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2018/10/a-pseudo-satisfacao-e-o-sentido-simulado-de-dominio-que-o-fascismo-oferece-por-zeynep-gambetti/
Nenhum comentário:
Postar um comentário