Anna Burns é a primeira escritora da Irlanda do Norte a vencer o Booker Prize
Foto: Facundo Arrizabalaga/EFE
‘Milkman’, da irlandesa Anna Burns, trata da lealdade política como arma de assédio e intimidação sexual
Jill Lawless,
AP
A irlandesa Anna Burns ganhou na terça-feira, 16, o prestigiado prêmio Man Booker Prize de ficção por seu livro Milkman, uma história que trata de conflito e poder, narrada por uma jovem que enfrenta o assédio e se desenrola durante os anos de conflitos violentos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. O Man Booker Prize é o mais prestigiado prêmio literário em língua inglesa.
Anna Burns é a primeira romancista da Irlanda do Norte a ganhar o
prêmio, com uma dotação de US$ 66 mil, outorgado a escritores de língua
inglesa de todas as partes do mundo. O prêmio foi entregue a ela por
Camila, duquesa de Cornualha, durante cerimônia no edifício medieval
Guildhall.
Milkman é
uma história narrada do ponto de vista de uma jovem que se defronta com
um homem mais velho que usa suas relações familiares, pressão social e
lealdade política como armas de intimidação sexual e assédio. A trama se
passa na década de 1970 e o livro foi publicado em meio à ebulição
mundial provocada pelas acusações de violência sexual que desencadearam o
movimento #MeToo.
“Acho que este romance ajudará as pessoas a refletirem sobre o
#MeToo e sobre romances que colaboram para uma reflexão sobre movimentos
e desafios atuais”, afirmou o filósofo Kwame Anthony Appiah, que
presidiu o júri de premiação. “Acreditamos que isso vai perdurar, não é
algo que se passa simplesmente neste momento e esse é um romance muito
poderoso sobre os danos e o perigo dos rumores.”
Anna Burns venceu outros cinco escritores, incluindo os favoritos
dos apostadores: o americano Richard Powers, com seu livro ecológico The Overstory, e a canadense Esi Edugyan, com Washington Black, que narra a história de um escravo que foge de uma plantação de cana de açúcar em um zepelim.
Os outros finalistas foram a escritora americana Rachel Kushner, com Le Mars Room, ambientada em uma prisão feminina; Robin Robertson, com The Long Take,
um romance em verso sobre um veterano do Dia D traumatizado; e a
britânica Daisy Johnson, de 27 anos, que concorreu com seu livro sobre
uma saga familiar inspirada nas tragédias gregas, intitulado Everything Under.
Criado em 1969, o prêmio Man Booker era destinado originalmente a
autores britânicos, irlandeses e da Commonwealth. Os americanos foram
admitidos ao concurso em 2014 e, desde então, muitos escritores dos
Estados Unidos foram premiados, como Paul Beatty, com O Vendido (lançado no Brasil pela Todavia), em 2016, e George Saunders com seu livro Lincoln no Limbo (Companhia das Letras), em 2017.
Temor. Um terceiro vencedor americano na
sequência teria reavivado os temores de alguns autores britânicos e
editores que acreditam que o prêmio tem se centralizado demais nos
Estados Unidos. Mas Appiah garante que nem a nacionalidade e nem o
gênero de ficção dos autores constituíram um fator para as deliberações
dos jurados, com uma lista de finalistas que incluiu quatro autoras e
dois escritores. “Escolhemos o romance... que mais mereceu o prêmio”,
disse ele, sem esconder um sorriso matreiro.
O Man Booker tem a reputação de transformar a carreira dos
escritores e as apostas e conjecturas são frequentes face à dúvida
quanto a quem será o vencedor. Entre contemplados com o prêmio
anteriormente, destacam-se Salman Rushdie, Ian McEwan, Arundhati Roy e
Hilary Mantel. Provavelmente a premiação dará um grande impulso à
carreira de Anna Burns, 56 anos, que não é muito conhecida, e aos dois
romances que publicou anteriormente.
Milkman parece uma torrente contínua,
como poucas divisões de parágrafos, o que levou algumas pessoas a
considerarem um romance experimental e desafiador. Mas, segundo Appiah,
“vale a pena saborear” a maneira característica de falar de Belfast.
“Se lhe dá trabalho, procure lê-lo em voz alta. O verdadeiro
prazer que esse livro suscita tem a ver com a maneira como soa”, disse
ele, acrescentando que “é tão desafiador como subir no monte Snowdon. E,
decididamente, vale a pena porque é fantástico quando você chega lá em
cima.” /
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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Fonte: https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,livro-vencedor-do-man-booker-resvala-nas-acusacoes-do-metoo,70002555055 -acesso 21/10/2018
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