*JOSÉ ANTONIO DIAS
TOFFOLI
Ressoam nela as vozes da Nação, dando corpo a um grande pacto social, político e econômico
A Constituição de 88, passados 30 anos, permanece uma das mais
avançadas e democráticas do mundo contemporâneo, em especial no que diz
respeito aos direitos e garantias dos cidadãos. Vivemos o mais longo
período de estabilidade democrática. Profundas foram as mudanças e
contínuo é o processo de fortalecimento de nossas instituições e de
nossa democracia.
A Carta cidadã
chegou-nos em meio a uma pletora de demandas reprimidas dos diversos
segmentos da sociedade. Fez história ao contar, pela primeira vez na
República, com o voto dos analfabetos na eleição da Assembleia
Constituinte.
Sua construção não se deu sem embates. Em face das múltiplas
demandas, era inevitável que surgissem conflitos de interesses. Ainda
assim, os constituintes lograram aprovar uma Carta plural, vocacionada a
promover a convivência dos múltiplos anseios sociais. Por isso a nossa
Lei Maior se tornou tão analítica. Ressoam nela as vozes da Nação, dando
corpo a um grande pacto social, político e econômico.
Devemos reafirmar o
nosso comprometimento com a manutenção e longevidade desse pacto
fundante. Vivemos num Brasil diferente, que demanda a atualização
constitucional em pontos específicos. Precisamos de uma reforma da
Previdência para fazer frente ao aumento da expectativa de vida no País,
de uma reforma que promova simplicidade e eficiência no sistema
tributário e de uma reforma que resgate a representatividade política e
partidária. Fundamental para tanto que o povo, a sociedade civil e os
Poderes da República se reúnam num grande pacto para corrigir rumos,
sempre respeitando a essência imutável do texto constitucional.
Aos mais afoitos lembro que a própria Carta estabeleceu
procedimentos de reforma, seja por emendas à Constituição (que já somam
105, incluindo as de revisão), seja por meio da jurisprudência, em
particular do Supremo Tribunal Federal (STF), guarda supremo da Lei
Magna. Como lembra o professor Eros Grau, a “Constituição do Brasil de
1988 não é, em verdade, de 1988. É a Constituição de hoje, aqui, agora,
tal como a expressam, como norma jurídica, os juízes e os nossos
tribunais”.
Temos, é inegável, passado por episódios turbulentos.
Investigações envolvendo a classe política. Impeachment de uma
presidente da República. Cassação de um presidente da Câmara dos
Deputados. Condenação e prisão de um ex-presidente da República. Não
obstante, olho para esses eventos com otimismo e esperança, pois todos
os impasses foram resolvidos pelas vias institucionais democráticas, com
total respeito à Constituição e às leis. Os Poderes da República têm
respeitado e tornado efetivos os mecanismos de controle recíproco e de
combate à corrupção. O Judiciário, em especial o STF, tem assumido sua
vocação de moderador dos conflitos políticos, sociais, culturais e
econômicos da sociedade brasileira. Temos um Judiciário fortalecido,
independente e atuante, que cumpre sua função de garantir a autoridade
do direito e da Constituição.
Felizmente, as ruas têm recobrado uma vivacidade que não víamos
desde as Diretas-Já e a luta pela redemocratização. Temos hoje uma
sociedade mais combativa, engajada politicamente e ciente de seus
direitos. Uma sociedade em que diferentes grupos – trabalhadores,
mulheres, negros, índios, LGBT e deficientes, entre outros – se
mobilizam para dar voz a seus anseios e pautas políticas.
Conseguimos chegar a esse patamar de participação graças à
Constituição de 88, que tutela a liberdade em suas diversas formas,
dentre elas a liberdade de expressão e de consciência política,
garantindo ao cidadão amplo direito de voz. É esse um dos grandes
legados da Carta cidadã, resoluta que foi em romper definitivamente com
um capítulo triste de nossa História em que essa liberdade – entre
tantos outros direitos – foi duramente sonegada ao cidadão.
A democracia brasileira, nos últimos 30 anos, realizou, de forma
plena, um de seus mais caros fundamentos: o pluralismo. Se houve tantos
embates nos últimos anos, isso se deve ao fato de que o poder no Brasil é
plural. E é melhor que o seja, pois, como já foi dito, um poder que não
é plural é violência.
O conflito só floresce na diferença. Numa democracia esse
conflito se torna debate. O debate gera resolução e, por fim,
transformação. Por isso, em minha visão, não somos um país em crise.
Estamos em transformação. Estamo-nos transformando numa sociedade mais
livre, plural, engajada e propositiva. Enfim, mais democrática.
O futuro impõe-nos, ainda, inúmeros desafios. Destaco a educação,
a segurança e a superação das desigualdades sociais e regionais. Outro
desafio está na manutenção da segurança jurídica neste mundo cada vez
mais hiperconectado, onde os conflitos e mudanças ocorrem em velocidade
crescente.
A Justiça permanece atenta a esses desafios. Ciente de seu papel
de agente nesta transformação social, deve primar por uma jurisdição
eficiente, transparente e responsável, de modo a realizar o Direito na
vida do cidadão.
O cidadão brasileiro é o real protagonista da mudança. Nosso
povo, tal como há 30 anos, prepara-se para fazer a diferença nas
eleições do dia 7 de outubro. Cada cidadão projetará nas urnas seus
anseios políticos e, assim, participará do ritual de renovação da
democracia para um novo e frutífero ciclo.
Renovamos, neste aniversário de 30 anos, nosso compromisso com a
soberania popular, com a democracia, com a tolerância, com o respeito às
diferenças e, acima de tudo, com a Constituição da República, o pacto
fundante da Nação brasileira, que vem cumprindo e continuará a cumprir
sua missão de, nas palavras de Canotilho, fazer “ecoar os gritos do
nunca mais: Nunca mais a escravatura. Nunca mais a ditadura. Nunca mais o
fascismo e o nazismo. Nunca mais o comunismo. Nunca mais o racismo.
Nunca mais a discriminação”.
O Supremo Tribunal Federal estará sempre a postos como o garante desse pacto. Vida longa à Constituição de 1988!
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*PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Fonte: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,vida-longa-a-constituicao-de-1988,70002533277
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